Cinco poemas de Mia Couto

Por Luana Castro Alves Perez

Cinco poemas de Mia Couto, um dos mais produtivos escritores da literatura em língua portuguesa em prosa e verso.

Mia Couto nasceu na cidade da Beira, Moçambique, no dia 5 de julho de 1955. É considerado um dos mais importantes nomes da literatura contemporânea *
Mia Couto nasceu na cidade da Beira, Moçambique, no dia 5 de julho de 1955. É considerado um dos mais importantes nomes da literatura contemporânea *

Mia Couto. Provavelmente você já ouviu esse nome. O moçambicano nascido na cidade da Beira é um dos mais profícuos escritores da atualidade, sucesso de público e crítica. Biólogo, jornalista e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia, Mia já coleciona uma série de prêmios literários, entre eles o Prêmio Camões de 2013, considerado o mais importante da literatura produzida em língua portuguesa.

Mia Couto é o pseudônimo de Antônio Emílio Leite Couto, um apaixonado por gatos que nasceu no dia 5 de julho de 1955. A paixão pela escrita floresceu ainda na adolescência, quando teve seus primeiros poemas publicados em um jornal de sua cidade, o “Notícias da Beira”. Ingressou na faculdade de Medicina, mas a paixão pelas letras e, em especial, pelo jornalismo fizeram-no abandonar o curso no terceiro ano. Durante a década de 70 foi nomeado diretor da Agência de Informação de Moçambique e posteriormente colaborou como diretor da revista Tempo e como jornalista do jornal Notícias.

Além do jornalismo, a Biologia também está entre as paixões de Mia Couto: em 1985, abandonou a carreira de jornalista para ingressar na faculdade de Biologia. Ainda hoje concilia a direção de uma empresa de consultoria ambiental com a literatura, afirmando que, assim como a escrita, a biologia não é uma profissão, mas sim uma paixão. Durante o dia, é biólogo e ativista; durante a noite, escreve, especialmente quando sofre com duradouras crises de insônia. A entrega à literatura já lhe rendeu frutos: Mia Couto é considerado um dos escritores mais importantes de Moçambique e também é o escritor moçambicano mais traduzido.

Para você conhecer um pouco mais a linguagem peculiar e cheia de neologismos do escritor que tem em Guimarães Rosa uma de suas maiores influências, o sítio de Português selecionou cinco poemas de Mia Couto que certamente te deixarão com vontade de conhecer mais versos e também a prosa desse brilhante autor. Boa leitura!

Para Ti

Foi para ti 
que desfolhei a chuva 
para ti soltei o perfume da terra 
toquei no nada 
e para ti foi tudo 

Para ti criei todas as palavras 
e todas me faltaram 
no minuto em que talhei 
o sabor do sempre 

Para ti dei voz 
às minhas mãos 
abri os gomos do tempo 
assaltei o mundo 
e pensei que tudo estava em nós 
nesse doce engano 
de tudo sermos donos 
sem nada termos 
simplesmente porque era de noite 
e não dormíamos 
eu descia em teu peito 
para me procurar 
e antes que a escuridão 
nos cingisse a cintura 
ficávamos nos olhos 
vivendo de um só 
amando de uma só vida. 

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas" 

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A Demora

O amor nos condena: 
demoras 
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra, 
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.

Mia Couto, in " idades cidades divindades" 

Identidade

Preciso ser um outro 
para ser eu mesmo 

Sou grão de rocha 
Sou o vento que a desgasta 

Sou pólen sem inseto 

Sou areia sustentando 
o sexo das árvores 

Existo onde me desconheço 
aguardando pelo meu passado 
ansiando a esperança do futuro 

No mundo que combato morro 
no mundo por que luto nasço. 

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas" 

Horário do Fim

morre-se nada 
quando chega a vez 

é só um solavanco 
na estrada por onde já não vamos 

morre-se tudo 
quando não é o justo momento 

e não é nunca 
esse momento 

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas" 

Primeira Palavra

Aproxima o teu coração 
e inclina o teu sangue 
para que eu recolha 
os teus inacessíveis frutos 
para que prove da tua água 
e repouse na tua fronte 
Debruça o teu rosto 
sobre a terra sem vestígio 
prepara o teu ventre 
para a anunciada visita 
até que nos lábios umedeça 
a primeira palavra do teu corpo.

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas" 

Obras de Mia Couto (em ordem alfabética):

 ▪ Antes de nascer o mundo (2009)
 ▪ Cada homem é uma raça (2013)
 ▪ A confissão da leoa (2012)
 ▪ Contos do nascer da terra (2014)
 ▪ E se Obama fosse africano? (2011)
 ▪ Estórias abensonhadas (2012)
 ▪ O fio das missangas (2009)
 ▪ O gato e o escuro (2008)
 ▪ A menina sem palavra (2013)
 ▪ O outro pé da sereia (2006)
 ▪ Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra (2003)
 ▪ Terra sonâmbula (2007)
 ▪ O último voo do flamingo (2005)
 ▪ A varanda do frangipani (2007)
 ▪ Venenos de deus remédios do diabo (2008)
 ▪ Vozes anoitecidas (2013).

*A imagem que ilustra o artigo foi feita a partir de capas de livros do escritor publicados pela editora Outras Margens.

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