Humanismo na literatura

O humanismo foi um movimento artístico de cunho antropocêntrico que surgiu na Itália, durante o século XIV. O poeta Francesco Petrarca foi seu principal representante.

Por Warley Souza

Edições de “A divina comédia”, famosa obra do italiano Dante Alighieri que representa o humanismo na literatura.

Humanismo é como ficou conhecido certo movimento literário, artístico e intelectual surgido na Itália, durante o século XIV, no final da Idade Média. Ele foi pautado no antropocentrismo e na retomada dos valores clássicos greco-romanos, como o equilíbrio e o culto à beleza, apesar de manter alguns elementos teocêntricos. Seus principais representantes foram os poetas italianos Francesco Petrarca e Dante Alighieri. Em Portugal, o principal autor humanista foi o dramaturgo Gil Vicente.

Leia também: Trovadorismo — o estilo de época que antecedeu o humanismo

Resumo sobre o humanismo na literatura

  • O humanismo é uma corrente artística surgida na Itália, no século XIV, em finais da Idade Média.

  • Na literatura, seus principais representantes são os italianos Dante Alighieri e Francesco Petrarca.

  • A literatura humanista valoriza a cultura clássica greco-latina e o equilíbrio entre razão e emoção.

  • O dramaturgo Gil Vicente foi o principal escritor da literatura humanista em Portugal.

O que foi o humanismo na literatura?

O humanismo foi uma corrente artística e intelectual surgida no final da Idade Média, na Itália. De caráter fortemente antropocêntrico, ele teve influência sobre a arte europeia a partir do século XIV, incluindo a literatura.

Características do humanismo na literatura

A literatura humanista apresenta estas características:

  • elementos de transição entre Idade Média e Idade Moderna;

  • enaltecimento da clássica cultura greco-latina;

  • visão antropocêntrica;

  • caráter filosófico;

  • valorização da razão e do pensamento científico;

  • culto à beleza e ao prazer;

  • traços do teocentrismo medieval;

  • poesia harmônica, com versos regulares;

  • equilíbrio entre razão e emoção;

  • prevalência do soneto;

  • idealização amorosa;

  • recorrência de metonímia.

O escritor italiano Petrarca foi o principal nome da poesia humanista, com sonetos como este:

Vós que escutais em rima esparsa o coro
dos suspiros com que eu meu ser nutria,
naquele erro em que jovem me perdia,
quando outro eu era do que sou, e coro:

no vário estilo em que eu razoo e choro
entre esperanças vãs, vã agonia,
onde haja quem do amor provou a via,
se não o seu perdão, piedade imploro.

Mas bem percebo que de todo o povo
fui muito tempo fábula, e frequente
de mim mesmo comigo me envergonho:

do divagar, vergonha é o fruto novo,
e o arrepender-me, e o ver bem claramente
que quanto agrada ao mundo é breve sonho.

PETRARCA, Francesco. Cancioneiro. Tradução de José Clemente Pozenato. Cotia: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da Unicamp, 2014.

O soneto apresenta versos regulares, todos decassílabos. Nele, o eu lírico relembra sua juventude e seus primeiros versos de amor. Sugere que mudou muito com o passar do tempo e se arrepende de ter expressado seus sentimentos, ao que parece, equivocados. Assim, analisa seu passado e seus sentimentos de forma racional.

A literatura humanista italiana acabou por influenciar a literatura portuguesa a partir de 1434, aproximadamente. A princípio, esteve associada à crônica historiográfica e política de Fernão Lopes. A influência do humanismo na literatura fez o trovadorismo perder força, dando espaço à poesia palaciana portuguesa.

Contudo, o dramaturgo Gil Vicente foi o principal representante da literatura humanista em Portugal. O autor aliou uma perspectiva medieval e humanista ao mesmo tempo ao ter tratado de temas religiosos e antropocêntricos, na medida em que, de forma irônica, apontou as imperfeições humanas e questões sociais.

No trecho abaixo, do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente, são perceptíveis os elementos teocêntricos bem como está evidenciada a crítica às atitudes humanas e a pessoas de determinada classe social:

FIDALGO

Porém, a que terra passais?

DIABO

Para o inferno, senhor.

FIDALGO

Terra é bem sem-sabor.

DIABO

Quê?... E também cá zombais?

FIDALGO

E passageiros achais para tal habitação?

DIABO

Vejo-vos eu em feição para ir ao nosso cais...

FIDALGO

Parece-te a ti assim!...

DIABO

Em que esperas ter guarida?

FIDALGO

Que deixo na outra vida, quem reze sempre por mim.

DIABO

Quem reze sempre por ti?!...

Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...

E tu viveste a teu prazer,

cuidando cá guarnecer

por que rezam lá por ti?!...

Embarca — ou embarcai...

que haveis de ir à derradeira

Mandai meter a cadeira,

que assim passou o vosso pai.

FIDALGO

Quê? Quê? Quê? Assim lhe vai?!

DIABO

Vai ou vem! Embarcai prestes!

Segundo lá escolhestes, assim cá vos contentai.

Pois que já a morte passastes, haveis de passar o rio.

[...]

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00111a.pdf.

Autores do humanismo

Dante Alighieri, Francesco Petrarca e Giovanni Boccaccio foram grandes nomes do humanismo italiano.
  • Dante Alighieri (1265-1321) — Itália

  • Francesco Petrarca (1304-1374) — Itália

  • Giovanni Boccaccio (1313-1375) — Itália

  • Fernão Lopes (1385-1460) — Portugal

  • Sebastian Brant (1457-1521) — Alemanha

  • Gil Vicente (1465-1536) — Portugal

  • Garcia de Resende (1470-1536) — Portugal

  • Fernando de Rojas (1470-1541) — Espanha

  • Thomas More (1478-1535) — Inglaterra

  • François Rabelais (1494-1553) — França

Principais obras do humanismo

  • A divina comédia (1321), de Dante Alighieri

  • Decamerão (1353), de Giovanni Boccaccio

  • Triunfos (1374), de Francesco Petrarca

  • Crônica de el-rei D. João I (1443), de Fernão Lopes

  • A nau dos insensatos (1494), de Sebastian Brant

  • A Celestina (1499), de Fernando de Rojas

  • Cancioneiro geral (1516), de Garcia de Resende

  • Utopia (1516), de Thomas More

  • Auto da barca do inferno (1517), de Gil Vicente

  • Pantagruel (1532), de François Rabelais

Contexto histórico do humanismo na literatura

A Idade Média foi um período da história que durou de 476 a 1453. Foi marcado pelo domínio da Igreja católica, de forma que o teocentrismo esteve em voga, em prejuízo do antropocentrismo e do pensamento científico. Outro elemento importante do período medieval foram as Cruzadas, a “guerra santa” empreendida pela Igreja contra os muçulmanos.

A Igreja, durante esse período, instituiu o Tribunal do Santo Ofício ou Inquisição, que interrogava, torturava e matava aqueles considerados hereges, muitas vezes condenados a serem queimados vivos. O humanismo surgiu no final desse período histórico e trazia uma perspectiva mais racional acerca da realidade.

No final da era medieval, houve um enfraquecimento do poderio da Igreja, apesar de ela ainda manter forte influência sobre os governos da época. A Inquisição perdurou até o século XVIII e teve seu fim, oficialmente, no século XIX; porém, com base nas ideias humanistas, uma lenta mudança de consciência teve início.

Veja também: Classicismo — detalhes sobre o estilo de época que sucedeu o humanismo

Exercícios resolvidos sobre humanismo na literatura

Questão 1

(Ufla) Numere a segunda coluna de acordo com a primeira, tendo em vista que os textos apresentam características dos estilos literários.

1. Trovadorismo ( )

Anjo: Que mandais?

Fidalgo: Que me digais,

pois parti tão sem aviso,

se a barca do Paraíso

é esta em que navegais.

Anjo: Esta é; que lhe buscais?

[ ... ]

Gil Vicente

2. Humanismo ( )

Ai ondas do mar de Vigo,

se vistes o meu amigo,

dizei-me: voltará cedo?

Martim Codax

3. Classicismo ( )

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia

Depois da luz, se segue a noite escura

Em tristes sombras morre a formosura,

Em contínuas tristezas a alegria.

Gregório de Matos Guerra

4. Barroco ( )

Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho

Destemperada e a voz enrouquecida,

E não do canto, mas de ver que venho

Cantar a gente surda e endurecida.

[ ... ]

Luís de Camões

5. Arcadismo ( )

Pastores, que levais ao monte o gado,

Vede lá como andais por essa serra,

Que para dar contágio a toda a terra,

Basta ver-se o meu rosto magoado.

[ ... ]

Cláudio Manuel da Costa

A) 2, 1, 4, 3, 5.

B) 1, 2, 4, 3, 5.

C) 4, 1, 2, 5, 3.

D) 2, 3, 1, 4, 5.

E) 2, 4, 1, 5, 3.

Resolução:

Alternativa A.

Gil Vicente foi humanista, Martim Codax foi um trovador, Gregório de Matos Guerra foi barroco, Luís de Camões foi do classicismo e Cláudio Manuel da Costa foi árcade.

Questão 2

Todos os trechos destacados abaixo são do livro A divina comédia, do poeta humanista Dante Alighieri. Em qual desses trechos é perceptível a valorização da Antiguidade clássica por meio de alguma referência greco-latina?

A) “Almas levou — do nosso pai primeiro,

Abel, Noé, Moisés, que legislara,

Abraam, na fé, na obediência inteiro,”

B) “É Homero, o poeta soberano;

O satírico Horácio é o outro, e ao lado

Ovídio, em lugar último Lucano.”

C) “Quando à borda do abismo as precipita,

Ais, soluços, lamentos vão rompendo.

Blasfema a Deus a multidão maldita.”

D) “Almas em cópia, nunca vista de antes,

Fardos de um lado e de outro, em grita ingente,

Rolavam com seus peitos ofegantes.”

E) “Imagina, ó leitor, qual fosse o espanto

Meu escutando a horrífica ameaça:

Não deixar a mansão temi do pranto.”

Resolução:

Alternativa B.

Dante faz referências ao poeta grego Homero e aos poetas romanos Horácio, Ovídio e Lucano, nomes da Antiguidade.

Crédito de imagem

[1] Stefano Chiacchiarini '74 / Shutterstock

Fontes

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.

ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb00002a.pdf.