Gênero dramático

Por Warley Souza

Gênero dramático é um gênero literário originário da Grécia Antiga, considerada o berço do teatro ocidental. Porém, no Oriente, há aproximadamente 2000 anos antes de Cristo, em países como China e Egito, já havia a presença de um teatro de caráter solene ou mesmo religioso.

Os textos que fazem parte do gênero dramático são escritos para serem encenados. Portanto, a princípio, eles não são produzidos para a leitura de leitores(as) comuns, já que têm como objetivo orientar diretores e atores. Esses textos, de acordo com suas especificidades, podem ser definidos como:

  • tragédia;

  • comédia;

  • tragicomédia;

  • auto;

  • farsa.

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Origem do gênero dramático

Ruínas do Teatro de Epidauro, na Grécia.
Ruínas do Teatro de Epidauro, na Grécia.

Os primeiros textos teóricos sobre o gênero dramático, que chegaram até nós, são da Antiguidade. Assim, os filósofos Platão (428-347 a. C.), em seu livro A república, e Aristóteles (384-322 a. C.), em sua obra Poética, buscaram definir os gêneros literários. Entre esses gêneros, o dramático. Fato é que o teatro grego é considerado o berço do teatro ocidental.

Porém, o teatro oriental é anterior ao grego. Na China, por exemplo, aproximadamente em 2200 a. C., o teatro tinha um caráter solene, e os textos dramáticos eram encenados por companhias reais ou mesmo grupos mambembes. Outro exemplo é o Egito, no qual o teatro era usado, em torno de 2000 a. C., para realizar cultos às divindades.

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Características do gênero dramático

O gênero dramático é composto por textos escritos para serem encenados. Portanto, a princípio, eles não são escritos para a leitura de leitores(as) comuns. Queremos dizer com isso que o diretor e os atores de uma peça são os leitores originais dessas obras. Algumas delas acabam sendo impressas e, assim, podem ser lidas também pelo público em geral.

Em sua origem grega, o gênero dramático estava associado à imitação ou representação da realidade. Aristóteles considerava a possibilidade de imitação de pessoas nobres ou ignóbeis, isto é, de caráter superior ou inferior. Assim, para ele, a representação de indivíduos moralmente superiores era tarefa da tragédia; já a imitação de seres moralmente inferiores, da comédia.

Desse modo, o teatro grego, originalmente, estava associado à disseminação ou condenação de comportamentos sociais da época. O texto dramático, consequentemente, era utilizado como um instrumento moralizador da sociedade. Com o tempo, essa característica se manteve, já que o teatro ainda tem a função de provocar reflexão e catarse (liberação de sentimentos reprimidos). No entanto, os valores morais sofrem transformações de uma época para a outra.

No mais, o texto dramático pode sofrer alterações e adaptações no processo de montagem de uma peça. Assim, as características dos personagens podem ser alteradas, e o cenário pode ser adaptado a determinado contexto histórico. O texto dramático, portanto, é diferente de outros textos literários, já que o sentido de sua existência é a encenação.

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Estrutura do texto dramático

  • Atos (divisão do texto)

  • Cenas

  • Rubricas (instruções do dramaturgo)

  • Falas dos personagens

Tipos de textos dramáticos

  • Tragédia

Capa do livro Édipo rei, de Sófocles, publicado pela editora L&PM.[1]
Capa do livro Édipo rei, de Sófocles, publicado pela editora L&PM.[1]

Texto, caracterizado pela seriedade, que provoca paixão e medo, para que o público possa experimentar a catarse. O exemplo mais conhecido desse tipo de texto dramático é Édipo rei, de Sófocles (497-405 a. C.).

Nessa obra, Édipo tem como destino matar o próprio pai e se casar com a própria mãe. Diante dessa profecia, ele busca fugir de seu destino, sem saber que ele já estava sendo cumprido. Por isso, no final, sua mãe, a rainha Jocasta, comete suicídio, enquanto Édipo fura os próprios olhos|1|:

ÉDIPO — Foi ela que te entregou a criança?

SERVO — Sim, meu rei.

ÉDIPO — E para quê?

SERVO — Para que eu a matasse.

ÉDIPO — Uma mãe fez tal coisa! Amaldiçoada seja!

SERVO — Assim fez, temendo a terrível profecia...

ÉDIPO — Que profecia?

SERVO — Aquele menino deveria matar seu pai, assim diziam...

ÉDIPO — E por que então entregá-lo a esse velho?

SERVO — Senti pena dele, senhor! Pedi a esse homem que o levasse para a sua terra, para um país distante... Vejo agora que o salvou da morte para uma sina pior! Pois, se és tu aquela criança, sabe que és o mais infeliz dos homens!

ÉDIPO — Horror! Horror! Ai de mim! Tudo era verdade! Ó luz, que eu te veja pela derradeira vez! Filho amaldiçoado que sou, marido maldito de minha própria mãe... e... assassino maldito de meu próprio pai!

[...]

  • Comédia

Texto, caracterizado pelo humor e pela situação ridícula, que provoca o riso do público. Muitas vezes, é usado para fazer algum tipo de crítica social ou política. Um exemplo desse tipo de texto dramático é A megera domada, de William Shakespeare (1564-1616).

Nessa obra, para se casar com a jovem Bianca, seus pretendentes precisam conseguir, antes, um marido para Catarina, irmã da bela moça, pois o pai delas decide casar primeiro a filha mais velha|2|:

CATARINA — Quanto pior me trata, mais finge gostar de mim. Casou-se comigo para fazer-me morrer de fome? Os mendigos que pedem na porta de meu pai só precisam estender a mão para receberem a esmola. Se não lhes é dada, encontram a caridade noutra parte. Mas eu, que nunca pedi nada, que jamais tive necessidade de nada, estou com fome por falta de alimentos e estonteada por falta de sono. [...].

GRÚMIO — Que diríeis de uma pata de vaca?

CATARINA — É excelente. Traze-me a pata, por favor.

GRÚMIO — Temo que seja uma carne muito irritante. Que diríeis de uma dobradinha bem gorda, finamente assada na grelha?

CATARINA — Gosto muito. Vai buscá-la, bondoso Grúmio.

GRÚMIO — Estou em dúvida. Tenho medo de que seja, também, irritante. Que achais de um pedaço de carne de vaca com mostarda?

CATARINA — É um prato com que gosto de alimentar-me.

GRÚMIO — Sim, mas a mostarda é um pouco quente demais.

CATARINA — Então, o pedaço de carne e deixa a mostarda.

GRÚMIO — Não, assim não. Tereis a mostarda ou, então, não recebereis o bife de Grúmio.

CATARINA — Então, as duas coisas, ou uma sem a outra, ou o que quiseres.

GRÚMIO — Então, seja! A mostarda sem a carne de vaca.

[...]

  • Tragicomédia

Capa do livro O rei Lear, de William Shakespeare, publicado pela editora L&PM.[1]
Capa do livro O rei Lear, de William Shakespeare, publicado pela editora L&PM.[1]

Texto híbrido, que mistura elementos da tragédia com elementos da comédia, portanto apresenta partes trágicas e cômicas, como é possível verificar em O rei Lear, de William Shakespeare.

Nessa peça, o rei enlouquece depois de ser traído por duas de suas filhas|3|:

ATO I

Cena I

CORDÉLIA: Meu bom senhor, tu me geraste, me educaste, amaste. Retribuo cumprindo o meu dever de obedecer-te, honrar-te, e amar-te acima de todas as coisas. Mas para que minhas irmãs têm os maridos se afirmam que amam unicamente a ti? Creio que, ao me casar, o homem cuja mão receber minha honra deverá levar também metade do meu amor, dos meus deveres e cuidados.

[...]

KENT: Mata teu médico e paga os honorários à tua repugnante enfermidade. Revoga essa doação ou, enquanto puder emitir um grito de minha garganta, eu te direi que agiste mal.

LEAR: Escuta, renegado! Por teu dever de súdito, escuta! Porque procuras fazer-me repudiar a minha jura, o que jamais fiz antes — e te interpões com obstinado orgulho entre minha sentença e meu poder, o que nem minha natureza nem meu posto podem admitir —, eu vou te demonstrar minha potência, te dando a recompensa que mereces: tens cinco dias para te prevenires contra as desgraças do mundo. No sexto volta ao nosso reino as tuas costas execradas. Se, no décimo dia, tua carcaça infame ainda for encontrada em nossas terras, esse instante será a tua morte. Fora! Por Júpiter — esta sentença é irrevogável.

KENT: Passe bem, meu senhor. Já que procedes assim, a liberdade é lá, o exílio aqui. (Para Cordélia.) Que os deuses te tomem sob sua carinhosa proteção, menina, que falaste tão bem o que pensaste tão justo.

[...]

ATO III

Cena VI

BOBO: Por favor, titio, me diz: um louco é um nobre ou um plebeu?

LEAR: Um Rei, um Rei.

BOBO: Não é não; é um plebeu que tem um filho nobre; pois é um plebeu louco quem faz o filho mais nobre do que ele.

[...]

BOBO: Louco é quem confia na mansidão do lobo, na saúde do cavalo, no amor de um rapaz, e nas juras de uma prostituta.

LEAR: Está decidido; vou julgá-las agora mesmo em tribunal. (Para Edgar.) — Vem, senta aqui, sapientíssimo juiz. (Ao Bobo.) — E tu também, sábio senhor, senta-te aqui.

[...]

  • Auto

Texto, normalmente curto e com linguagem simples, que, a partir de um tema religioso ou satírico, possui uma intenção claramente moralizadora. O exemplo mais famoso, em língua portuguesa, é o Auto da barca do inferno, de Gil Vicente (1465-1536). Nessa peça, os personagens são almas que, após julgamento, embarcam na Barca do Inferno (comandada pelo Diabo) ou na Barca da Glória (conduzida por um Anjo):

DIABO — Em que esperas ter guarida?

FIDALGO — Que leixo na outra vida quem reze sempre por mim.

DIABO — Quem reze sempre por ti?!... Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!... E tu viveste a teu prazer, cuidando cá guarnecer por que rezam lá por ti?!... Embarca — ou embarcai... que haveis de ir à derradeira! Mandai meter a cadeira, que assim passou vosso pai.

[...]

FIDALGO — Não há aqui outro navio?

DIABO — Não, senhor, que este fretastes, e primeiro que expirastes me destes logo sinal.

[...]

ANJO — Que quereis?

FIDALGO — Que me digais, pois parti tão sem aviso, se a barca do Paraíso é esta em que navegais.

ANJO — Esta é; que demandais?

FIDALGO — Que me leixeis embarcar. Sou fidalgo de solar, é bem que me recolhais.

ANJO — Não se embarca tirania neste batel divinal.

[...]

  • Farsa

Texto, normalmente curto, de caráter popular, cômico, satírico, caricatural, exagerado e, muitas vezes, com presença de linguagem chula. Um exemplo é O velho da horta, de Gil Vicente. Nessa peça, um velho se apaixona por uma moça. Uma alcoviteira, então, se propõe a ajudar o velho, em troca de dinheiro, mas não faz nada além de o enganar:

VELHO — Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus.

MOÇA — Mas no chão.

[...]

MOÇA — E essa tosse? Amores de sobreposse serão os da vossa idade; o tempo vos tirou a posse.

VELHO — Mas amo que se moço fosse com a metade.

MOÇA — E qual será a desastrada que atende vosso amor?

VELHO — Oh minha alma e minha dor, quem vos tivesse furtada!

MOÇA — Que prazer! Quem vos isso ouvir dizer cuidará que estais vivo, ou que estais para viver!

[...]

VELHO — Essas palavras ufanas acendem mais os amores.

MOÇA — Bom homem, estais às escuras! Não vos vedes como estais?

VELHO — Vós me cegais com tristuras, mas vejo as desaventuras que me dais.

MOÇA — Não vedes que sois já morto e andais contra a natura?

[...]

Notas

|1| Tradução de Jean Melville.

|2| Tradução de Alex Marins.

|3| Tradução de Millôr Fernandes.

Créditos das imagens

[1] L&PM Editores (reprodução)

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