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Função metalinguística

A função metalinguística é a função da linguagem que é centrada no código como elemento da comunicação. Ocorre quando um texto fala sobre si mesmo.

Por Mariana Carvalho Machado Cortes

Quadro-negro com o conceito de função metalinguística.
A função metalinguística é uma das seis funções da linguagem.
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A função metalinguística é a função da linguagem que é centrada no código como um elemento da comunicação. Esse código pode ser a língua; o tipo de linguagem utilizada, seja a verbal, a corporal, ou a cinematográfica, por exemplo; ou o gênero textual escolhido. A metalinguagem também ocorre quando o texto se reconhece como um texto. Isso pode acontecer quando o narrador de uma história se dirige ao leitor, por exemplo. Dessa forma, a metalinguagem pode ocorrer em qualquer gênero textual e em qualquer tipo de linguagem da comunicação.

Leia também: As seis funções da linguagem

Resumo sobre a função metalinguística

  • A função metalinguística é a função da linguagem que tem como foco o código como um elemento da comunicação.
  • O código pode ser interpretado como: a língua em que o texto é veiculado; a linguagem, que pode ser a verbal, a corporal ou a cinematográfica, por exemplo; ou o gênero textual.
  • Nessa função, o texto fala sobre si e reflete uma visão sobre o próprio gênero em que está inserido. 
  • Muitas vezes, a metalinguagem se relaciona à metáfora, para que a reflexão sobre a língua, sobre a linguagem ou sobre o gênero textual seja aprofundada.
  • A função metalinguística pode ser identificada por meio do assunto, o qual deve se tratar sobre a língua, sobre a linguagem ou sobre o gênero do próprio texto; ou por meio da posição de um texto ao se reconhecer como tal.
  • Os elementos da comunicação são: remetente, destinatário, canal, mensagem, assunto (ou contexto) e código; e suas respectivas funções da linguagem são emotiva, conativa, fática, poética, referencial e metalinguística.

Videoaula sobre função metalinguística

O que é função metalinguística?

A função metalinguística é a função da linguagem centrada no código como elemento da comunicação, ou seja, no tipo de linguagem selecionada para a transmissão da mensagem. Esse código pode ser os diferentes tipos de língua, a linguagem corporal, a linguagem cinematográfica, etc. Assim, quando há um texto que se foca na linguagem por esse utilizada, predomina a função metalinguística.

Ela também pode aparecer quando um gênero textual fala dele mesmo ou ainda quando o escritor fala sobre a prática da escrita. Quando o narrador ou um personagem se reconhece dentro de um texto, também há o uso da função metalinguística.

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Exemplos de função metalinguística

A função metalinguística pode, então, aparecer em diversos gêneros e de diversas maneiras diferentes. Cada gênero tem os seus próprios recursos para a elaboração e enriquecimento da metalinguagem.

    • Prosa

Machado de Assis é conhecido por sua prática metalinguística em seus textos. Em Dom Casmurro, por exemplo, o narrador procura explicar o motivo do título do livro:

“Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração — se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.”

A metalinguagem aparece, primeiramente, pela preocupação do narrador em se reconhecer em uma história, uma vez que ele fala sobre a escolha do título. Além disso, a interação feita com o leitor também é uma forma de se perceber como um texto. Devido a isso, é possível ver o caráter metalinguístico no clássico de Machado de Assis, o que gera uma dinâmica à história e permite muitas reflexões sobre o efeito que essa prática gera à narração.

    • Poesia

Muitas vezes, a função metalinguística é utilizada na poesia para promover uma reflexão sobre a arte e, até mesmo, emitir uma opinião sobre o papel da poesia no contexto da escrita. Isso pode ser percebido no poema “Poética”, de Manuel Bandeira.

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor

Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo os puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

[Manuel Bandeira]

Manuel Bandeira é um poeta modernista que, em seu texto, procura estabelecer o tipo de poesia que ele procura e defende. Desse modo, o poeta faz referência a características de poemas que foram feitos antes de seu momento; por exemplo, quando fala do lirismo namorador, remetendo à poética romântica. Além disso, é comum que apareça na metalinguagem o uso de intertextualidade (o diálogo com outros textos), que ocorre, nesse caso, como contribuição da sua ideia de poesia. A função metalinguística, então, foi utilizada para a elaboração e defesa da poética modernista que se estabelecia.

    • Crônica

Há, no gênero crônica, grandes exemplos de textos metalinguísticos devido à liberdade literária que esse proporciona. No texto a seguir, Carlos Drummond de Andrade faz uma reflexão sobre a sua prática de escrita e sobre o gênero em si, como uma forma de despedida de sua última crônica.

Ciao

Há 64 anos, um adolescente fascinado por papel impresso notou que, no andar térreo do prédio onde morava, um placar exibia a cada manhã a primeira página de um jornal modestíssimo, porém jornal. Não teve dúvida. Entrou e ofereceu os seus serviços ao diretor, que era, sozinho, todo o pessoal da redação. O homem olhou-o, cético, e perguntou:

- Sobre o que pretende escrever?

- Sobre tudo. Cinema, literatura, vida urbana, moral, coisas deste mundo e de qualquer outro possível.

O diretor, ao perceber que alguém, mesmo inepto, se dispunha a fazer o jornal para ele, praticamente de graça, topou. Nasceu aí, na velha Belo Horizonte dos anos 20, um cronista que ainda hoje, com a graça de Deus e com ou sem assunto, comete as suas croniquices.

Comete é tempo errado de verbo. Melhor dizer: cometia. Pois chegou o momento deste contumaz rabiscador de letras pendurar as chuteiras (que na prática jamais calçou) e dizer aos leitores um ciao-adeus sem melancolia, mas oportuno.

Creio que ele pode gabar-se de possuir um título não disputado por ninguém: o de mais velho cronista brasileiro. Assistiu, sentado e escrevendo, ao desfile de 11 presidentes da República, mais ou menos eleitos (sendo um bisado), sem contar as altas patentes militares que se atribuíram esse título. Viu de longe, mas de coração arfante, a Segunda Guerra Mundial, acompanhou a industrialização do Brasil, os movimentos populares frustrados mas renascidos, os ismos de vanguarda que ambicionavam reformular para sempre o conceito universal de poesia; anotou as catástrofes, a Lua visitada, as mulheres lutando a braço para serem entendidas pelos homens; as pequenas alegrias do cotidiano, abertas a qualquer um, que são certamente as melhores.

Viu tudo isso, ora sorrindo ora zangado, pois a zanga tem seu lugar mesmo nos temperamentos mais aguados. Procurou extrair de cada coisa não uma lição, mas um traço que comovesse ou distraísse o leitor, fazendo-o sorrir, se não do acontecimento, pelo menos do próprio cronista, que às vezes se torna cronista do seu umbigo, ironizando-se a si mesmo antes que outros o façam.

Crônica tem essa vantagem: não obriga ao paletó-e-gravata do editorialista, forçado a definir uma posição correta diante dos grandes problemas; não exige de quem a faz o nervosismo saltitante do repórter, responsável pela apuração do fato na hora mesma em que ele acontece; dispensa a especialização suada em economia, finanças, política nacional e internacional, esporte, religião e o mais que imaginar se possa. Sei bem que existem o cronista político, o esportivo, o religioso, o econômico etc., mas a crônica de que estou falando é aquela que não precisa entender de nada ao falar de tudo. Não se exige do cronista geral a informação ou comentários precisos que cobramos dos outros. O que lhe pedimos é uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito. Claro que ele deve ser um cara confiável, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo, cronista faccioso, que sirva a interesse pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isso seria pretensão descabida de sua parte. Ele sabe que seu prazo de atuação é limitado: minutos no café da manhã ou à espera do coletivo.

Com esse espírito, a tarefa do croniqueiro estreado no tempo de Epitácio Pessoa (algum de vocês já teria nascido nos anos a.C. de 1920? duvido) não foi penosa e valeu-lhe algumas doçuras. Uma delas ter aliviado a amargura de mãe que perdera a filha jovem. Em compensação alguns anônimos e inominados o desancaram, como a lhe dizerem: “É para você não ficar metido a besta, julgando que seus comentários passarão à História”. Ele sabe que não passarão. E daí? Melhor aceitar as louvações e esquecer as descalçadeiras.

Foi o que esse outrora-rapaz fez ou tentou fazer em mais de seis décadas. Em certo período, consagrou mais tempo a tarefas burocráticas do que ao jornalismo, porém jamais deixou de ser homem de jornal, leitor implacável de jornais, interessado em seguir não apenas o desdobrar das notícias como as diferentes maneiras de apresentá-las ao público. Uma página bem diagramada causava-lhe prazer estético; a charge, a foto, a reportagem, a legenda bem feitas, o estilo particular de cada diário ou revista eram para ele (e são) motivos de alegria profissional. A duas grandes casas do jornalismo brasileiro ele se orgulha de ter pertencido ― o extinto Correio da Manhã, de valente memória, e o Jornal do Brasil, por seu conceito humanístico da função da Imprensa no mundo. Quinze anos de atividade no primeiro e mais 15, atuais, no segundo, alimentarão as melhores lembranças do velho jornalista.

E é por admitir esta noção de velho, consciente e alegremente, que ele hoje se despede da crônica, sem se despedir do gosto de manejar a palavra escrita, sob outras modalidades, pois escrever é sua doença vital, já agora sem periodicidade e com suave preguiça. Ceda espaço aos mais novos e vá cultivar o seu jardim, pelo menos imaginário.

Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo.

[Carlos Drummond de Andrade]

(Jornal do Brasil, 29/09/1984)

A função metalinguística é percebida no momento em que o cronista se reconhece como o jovem retratado na cena e, assim, o texto se reconhece como tal. Depois disso, a crônica segue com uma reflexão não apenas sobre a prática de escrita do autor de seu texto, mas da escrita dos cronistas em geral, o que se torna, enfim, uma reflexão sobre a própria crônica. Dessa forma, é possível descobrir características ricas do gênero, de acordo com o texto, por meio de sua leitura. Há, portanto, a menção à liberdade de escrita e de formalidade que o texto permite, à função da crônica jornalística, ao seu contexto de produção e de leitura e ainda à reflexão sobre a importância do cronista na história. No final do texto, há a metalinguagem por meio da referência à seleção das palavras utilizadas para o término de seu texto.

    • Música

Samba de Uma Nota Só

Eis aqui este sambinha feito numa nota só
Outras notas vão entrar, mas a base é uma só
Esta outra é consequência do que acabo de dizer
Como eu sou a consequência inevitável de você

E voltei pra minha nota como eu volto pra você
Vou contar com a minha nota como eu gosto de você
E quem quer todas as notas
Ré, mi, fá, sol, lá, si, dó
Fica sempre sem nenhuma
Fique numa nota só

Tom Jobim

A música de Tom Jobim utiliza recursos musicais para enriquecer a sua metalinguagem. Como explica a letra, a melodia da música tem como base apenas uma nota. Quando a letra fala sobre uma outra nota, a nota da melodia principal também muda, como uma consequência na linha melódica da repetição da primeira nota. Quando o verso fala sobre a volta da nota,  a melodia volta a repetir a primeira nota. Assim, a metalinguagem da letra é acompanhada pelo desenho melódico que representa musicalmente o que está sendo falado. Dessa maneira, uma característica do samba brasileiro dos anos 50 é ressaltada: a simplicidade de suas melodias.

    • Cinema

O filme “Os Fabelmans” conta a história da juventude do diretor e cineasta Steven Spielberg, relatando as suas dinâmicas familiares e o crescimento de seu amor pelo cinema. Em todo o filme, há reflexões sobre o cinema, sua produção e até o seu impacto nos indivíduos e na sociedade.

No final do filme, o jovem Spielberg recebe um conselho sobre o fazer cinematográfico de um dos grandes nomes de sua época: John Ford. Ele diz que o horizonte da cena nunca deve estar no meio da tela, pois isso não é interessante. O filme finaliza, então, com a câmera ajustando a sua posição de maneira que o horizonte não fique centralizado na tela. A metalinguagem, nessa cena final, ocorre, então, por um simples movimento de câmera.

    • Dicionário

Metalinguagem

substantivo feminino

linguagem (natural ou formalizada) que serve para descrever ou falar sobre uma outra linguagem, natural ou artificial.

Dicionário Houaiss

O dicionário é o gênero mais típico da metalinguagem, uma vez que, por definição, é um texto que utiliza a linguagem verbal explicando a própria linguagem verbal. No caso, utiliza-se a língua portuguesa para explicar conceitos próprios da língua portuguesa.

Leia também: Função poética — a emissão de uma mensagem elaborada de maneira inovadora

Características da função metalinguística

A metalinguagem tem como foco o código como elemento da comunicação. Algumas características que podem ser identificadas em textos de função metalinguística são:

  • O reconhecimento do texto como um texto: quando um texto se utiliza de metalinguagem, ele se reconhece como um texto. No exemplo de Machado de Assis, quando o narrador-personagem procura explicar o título, ele sabe que está escrevendo uma história para ser lida por outros. Quando o narrador se dirige ao leitor em um romance ou quando há a quebra da quarta parede em uma peça ou em um filme, é a metalinguagem que está sendo utilizada.
  • O gênero que fala sobre si: na metalinguagem, o gênero fala sobre o próprio gênero. Assim, é possível entender mais sobre a crônica ao ler a crônica “Ciao”, de Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, ou podemos entender como funciona o samba quando ouvimos a música de Tom Jobim, uma vez que esses utilizam dos recursos próprios de seus respectivos gêneros para falar sobre estes.
  • A sua importância para a apreensão da língua: para que uma criança aprenda a falar e a escrever ou para um estrangeiro aprender a língua portuguesa, é necessário passar pela função metalinguística, uma vez que é necessário falar sobre a língua utilizando-a para entendê-la. Por isso, toda aula de língua portuguesa é metalinguística. Inclusive esse texto também o é.
  • A sua relação com a metáfora:  a metalinguagem utiliza muito a metáfora para que relações e comparações sejam feitas entre elementos diferentes e conceitos e reflexões sobre o código possam ser desenvolvidos. No verso de Manuel Bandeira, por exemplo: “Não quero mais saber do lirismo que não é libertação”, há uma metáfora que ocorre entre a poesia e a liberdade, a qual enriquece o entendimento que se adquire sobre aquela.
  • Pode ser utilizada para a renovação do gênero: quando a arte quer mudar o seu perfil em seu contexto, ela, em algum momento, procura a metalinguagem para seus objetivos. No poema de Manuel Bandeira, por exemplo, houve uma negação de um tipo de poesia e a preferência a outro. Assim, o poema estabeleceu uma forma de se fazer poesia típica do movimento modernista. Essa metalinguagem pode acontecer em diversos gêneros artísticos.

Como identificar a função metalinguística?

Para identificar a função metalinguística, é necessário, inicialmente, identificar o gênero do texto, para que se perceba que um gênero fala sobre o próprio gênero. Além disso, é necessário entender as diferentes formas de manifestação da metalinguagem, a qual pode acontecer por meio de uma língua, de uma manifestação artística, ou de um gênero que fala sobre si mesmo. A metalinguagem também pode ser reconhecida apenas quando o narrador se dirige ao leitor ou reconhece que está inserido dentro de um texto.

Assim, para identificar a função da linguagem, é necessário perceber se o narrador ou o personagem fala, faz menção ou se reconhece no próprio gênero textual em que está inserido; ou ainda se temos uma língua ou uma linguagem que fala de si.

O que são funções da linguagem?

As funções da linguagem consistem no foco de um texto em algum elemento da comunicação. Há, então, uma função da linguagem para cada elemento da comunicação:

Funções da linguagem e os elementos da comunicação a que estão ligados.
No quadro, as palavras em roxo correspondem aos elementos da comunicação e as palavras em laranja, às funções da linguagem.

Exercícios sobre funções da linguagem

Questão 1

(Sedu-ES - FCC)

1. Um jornal é lido por muita gente, em muitos lugares; o que ele diz precisa interessar, senão a todos, pelo menos a um certo número de pessoas. Mas o que me brota espontaneamente da máquina, hoje, não interessa a ninguém, salvo a mim mesmo. O leitor, portanto, faça o obséquio de mudar de coluna. Trata-se de um gato.

2. Não é a primeira vez que o tomo para objeto de escrita. Há tempos, contei de Inácio e de sua convivência. Inácio estava na graça do crescimento, e suas atitudes faziam descobrir um encanto novo no encanto imemorial dos gatos. Mas Inácio desapareceu − e sua falta é mais importante para mim do que as reformas do ministério.

3. Gatos somem no Rio de Janeiro. Dizia-se que o fenômeno se relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros. Agora ouço dizer que se relaciona com a vida cara e a escassez de alimentos. À falta de uma fatia de vitela, há indivíduos que se consolam comendo carne de gato, caça tão esquiva quanto a outra.

4. O fato sociológico ou econômico me escapa. Não é a sorte geral dos gatos que me preocupa. Concentro-me em Inácio, em seu destino não sabido.

5. Eram duas da madrugada quando o pintor Reis Júnior, que passeia a essa hora com o seu cachimbo e o seu cão, me bateu à porta, noticioso. Em suas andanças, vira um gato cor de ouro como Inácio − cor incomum em gatos comuns − e se dispunha a ajudarme na captura. Lá fomos sob o vento da praia, em seu encalço. E no lugar indicado, pequeno jardim fronteiro a um edifício, estava o gato. A luz não dava para identificá-lo, e ele se recusou à intimidade. Chamados afetuosos não o comoveram; tentativas de aproximação se frustraram. Ele fugia sempre, para voltar se nos via distantes. Amava.

6. Seria iníquo apartá-lo do alvo de sua obstinada contemplação, a poucos metros. Desistimos. Se for Inácio, pensei, dentro de um ou dois dias estará de volta. Não voltou.

7. Um gato vive um pouco nas poltronas, no cimento ao sol, no telhado sob a lua. Vive também sobre a mesa do escritório, e o salto preciso que ele dá para atingi-la é mais do que impulso para a cultura. É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação. Livros e papéis, sim, beneficiam-se com a sua presteza austera. Mais do que a coruja, o gato é símbolo e guardião da vida intelectual.

8. Depois que sumiu Inácio, esses pedaços da casa se desvalorizaram. Falta-lhes a nota grave e macia de Inácio. É extraordinário como o gato “funciona” em uma casa: em silêncio, indiferente, mas adesivo e cheio de personalidade. Se se agravar a mediocridade destas crônicas, os senhores estão avisados: é falta de Inácio. Se tinham alguma coisa aproveitável era a presença de Inácio a meu lado, sua crítica muda, através dos olhos de topázio que longamente me fitavam, aprovando algum trecho feliz, ou através do sono profundo, que antecipava a reação provável dos leitores.

9. Poderia botar anúncio no jornal. Para quê? Ninguém está pensando em achar gatos. Se Inácio estiver vivo e não sequestrado, voltará sem explicações. É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar satisfação. Se o roubaram, é homenagem a seu charme pessoal, misto de circunspeção e leveza; tratem-no bem, nesse caso, para justificar o roubo, e ainda porque maltratar animais é uma forma de desonestidade. Finalmente, se tiver de voltar, gostaria que o fizesse por conta própria, com suas patas; com a altivez, a serenidade e a elegância dos gatos.

(ANDRADE, Carlos Drummond. Cadeira de balanço. São Paulo: Companhia das Letras, 2020)

“Metalinguagem” pode ser definida como linguagem sobre linguagem, discurso sobre um sistema de signos por meio desse próprio sistema. Por exemplo: a língua falando sobre si mesma (a gramática, a linguística), um poema falando sobre si mesmo, uma narrativa falando sobre si mesma, um filme falando sobre si mesmo etc.

(Adaptado de: LUFT, Celso Pedro. ABC da língua culta. São Paulo: Globo, 2010)

Considerando-se a definição acima, ocorre metalinguagem no seguinte trecho:

a) É o movimento civilizado de um organismo plenamente ajustado às leis físicas, e que não carece de suplemento de informação (7º parágrafo).

b) É próprio do gato sair sem pedir licença, voltar sem dar satisfação (9º parágrafo).

c) Não é a primeira vez que o tomo para objeto de escrita (2º parágrafo).

d) Dizia-se que o fenômeno se relacionava com a indústria doméstica das cuícas, localizada nos morros (3o parágrafo).

e) O fato sociológico ou econômico me escapa (4º parágrafo).

GABARITO

A letra C é a única em que o autor do texto se utiliza da metalinguagem, uma vez que ele fala sobre a sua escolha no trabalho da escrita. Isso também pode ser entendido como um texto se reconhecendo como texto.

Questão  2

(Prefeitura de Cerquilho - SP / MetroCapital Soluções ) No que se refere à metalinguagem, julgue os itens a seguir e, ao final, assinale a alternativa correta:

I – É a linguagem que descreve sobre ela mesma.

II – Ao se perguntar o significado de uma determinada palavra, está-se utilizando a função metalinguística.

III – A pintura de um artista pintando é um exemplo de metalinguagem.

a) Apenas o item I é verdadeiro.

b) Apenas o item II é verdadeiro.

c) Apenas o item III é verdadeiro.

d) Apenas os itens II e III são verdadeiros.

e) Todos os itens são verdadeiros.

GABARITO

Letra E. Todas as afirmativas estão corretas. A metalinguagem trata de uma linguagem que fala sobre ela mesma; por exemplo, quando utilizamos a língua portuguesa para falar o significado de uma palavra da língua portuguesa. A pintura de um artista pintando também é um exemplo de metalinguagem, como ocorre com a pintura “Autorretrato como pintor”, de Van Gogh.

Fontes

JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 2003.

LUCAS, C. R. A metalinguagem como lugar da interpretação: terminologia e bases de dados informatizadas. DELTA, São Paulo, v. 15, n. 1, 1999.