Parte integrante do gênero lírico, a elegia é um tipo de poesia que ficou caracterizada por seu conteúdo temático, e não por sua forma.
Cântico do Calvário - À memória de meu Filho morto a 11 de dezembro de 1863
“Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, a inspiração, a pátria,
O porvir de teu pai! - Ah! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino!
Astro, - engoliu-te o temporal do norte!
Teto, - caíste!- Crença, já não vives!
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas,
Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto! (...)”.
O fragmento acima é parte do célebre poema do poeta ultrarromântico Fagundes Varela. Cântico do Calvário é considerado a obra-prima do autor e certamente figura entre os mais comoventes e tristes poemas da Literatura Brasileira. A beleza dramática das metáforas criadas por Varela compõe aquilo que na literatura denominamos elegia.
A elegia integra o gênero lírico, embora guarde semelhanças com o gênero épico. De origem grega, era associada à música — sendo cantada com o acompanhamento da flauta — até que posteriormente ficou destinada à recitação e à leitura. Ao contrário de outros tipos de poemas do gênero lírico, a elegia tem no conteúdo sua principal característica: aborda temas como a tristeza e a melancolia, sentimentos despertados pela morte, como no poema Cântico do Calvário, ou ainda pela dor de um amor não correspondido ou interrompido.
Em Portugal, os maiores escritores de elegias foram Sá de Miranda, um dos mais tradicionais poetas lusitanos, e Luís de Camões, considerado o mestre do gênero. No Brasil, além de Fagundes Varela, outros poetas, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes, também compuseram versos elegíacos. Para você conhecer um pouco mais sobre esse gênero poético tão importante e peculiar, o sítio de Português selecionou belas elegias da literatura em língua portuguesa para você ler e apreciar. Boa leitura!
Elegia 1938
Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.
Carlos Drummond de Andrade
Elegia para minha mãe
Nesta quebrada de montanha, donde o mar
Parece manso como em recôncavo de angra,
Tudo o que há de infantil dentro em minh'alma sangra
Na dor de ter visto, ó Mãe, agonizar!
Entregue à sugestão evocadora do ermo,
Em pranto rememoroso o teu lento matírio
Até quando exalaste, à ardente luz de um círio,
A alma que se transia atada ao corpo enfermo.
Relembro o rosto magro, onde a morte deixou
Uma expressão como que atônita de espanto
(Que imagem de tão grave e prestigioso encanto
Em teus olhos já meio inânimes passou?)
Revejo os teus pequenos pés... A mão fransina...
Tão musical... A fronte baixa... A boca exangue...
A duas gerações passara já teu sangue,
- Eras avó -, e morta eras uma menina.
No silêncio daquela noite funeral
Ouço a voz de meu pai chamando por teu nome.
Mas não posso pensar em ti sem que me tome
Todo a recordação medonha do teu mal!
Tu, cujo coração era cheio de medos
- Temias os trovões, o telegrama, o escuro -
Ah, pobrezinha! um fim terrível o mais duro,
É que te sufocou com implacáveis dedos.
Agora que me despedaça o coração
A cada pormenor, e o revivo cem vezes,
E choro neste instante o pranto de três meses
(Durante os quais sorri para tua ilusão!),
Enquanto que a buscar as solitárias ânsias,
As mágoas sem consolo, as vontades quebradas,
Voa, diluindo-se no longe das distâncias,
A prece vesperal em fundas badaladas!
Manuel Bandeira
Em Tormentos Cruéis
Em tormentos cruéis, tal sofrimento,
em tão contínua dor, que nunca aliva,
chamar a morte sempre, e que ela, altiva,
se ria dos meus rogos, no tormento!
E ver no mal que todo entendimento
naturalmente foge, e quanto aviva
a dor mais o vagar da alma cativa,
a quem não fará crer que é tudo um vento?
Bem sei uns olhos, que têm toda a culpa,
e são os meus, que a toda parte vêm
após o que veem sempre e os desculpa.
Ó minhas visões altas, meu só bem,
quem vos a vós não vê, esse me culpa,
e eu sou o só que as vejo, outrem ninguém!
Sá de Miranda
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