Jorge Amado

Por Luiza Brandino

Jorge Amado foi um dos mais premiados e populares escritores brasileiros. Dono de uma obra numerosa, sempre privilegiando a Bahia como cenário de suas narrativas, cativou o público com suas histórias que foram largamente adaptadas para a televisão.

Traduzido para dezenas de idiomas e aclamado nacional e internacionalmente, Jorge Amado conciliou realismo e lirismo poético, causas sociais e erotismo, trazendo consigo uma identificação afetiva com o povo brasileiro.

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Biografia

Jorge Amado de Faria nasceu em 10 de agosto de 1912, em uma fazenda no distrito de Ferradas, pertencente ao município de Itabuna (BA). Passou a infância em Ilhéus e mudou-se para Salvador para cumprir o ensino secundário, onde permaneceu depois de terminar o colégio. Na capital baiana, passou a escrever para jornais e participar ativamente da vida literária local: junto de outros escritores, fundou a Academia dos Rebeldes, grupo que propunha “uma arte moderna sem ser modernista”.

Estátua em homenagem a Jorge Amado na cidade de Toledo (PR). [1]
Estátua em homenagem a Jorge Amado na cidade de Toledo (PR). [1]

Mudou-se para o Rio de Janeiro para cursar Direito na década de 1930, período em que também publicou seus primeiros romances (O país do carnaval, em 1931; Cacau, em 1933) e em que se casou com Matilde Garcia Rosa. Em 1935, nascia a única filha do casal, Lila, e o autor formava-se bacharel em Direito, embora nunca tenha exercido a profissão.

Militante comunista, Jorge Amado foi perseguido pelo Estado Novo e obrigado a se exilar na Argentina e no Uruguai entre os anos de 1941 e 1942, quando viajou longamente pela América Latina. Ao retornar ao Brasil, divorciou-se de Matilde e também ingressou na política, tendo sido o deputado federal mais votado do estado de São Paulo em 1945. Eleito pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), Jorge Amado foi o autor da emenda constitucional de liberdade de culto religioso, que hoje consta como 7º inciso do Artigo 141 da Constituição Federal. A proposta política reflete a própria espiritualidade do autor, que era praticante do candomblé.

Casou-se com Zélia Gattai, também escritora, em 1945, e em 1947 nascia o primeiro filho do casal, João Jorge. Nesse mesmo ano, o PCB foi declarado ilegal e seus membros foram perseguidos e presos, o que levou Jorge Amado ao exílio novamente, dessa vez na França. A filha que teve no primeiro casamento faleceu em 1949, com apenas 14 anos.

Amado foi expulso da França em 1950 e passou então a residir em Praga, onde viu nascer sua filha Paloma. Viajou pelos países da então União Soviética, além de China e Mongólia. As traduções de suas obras fizeram grande sucesso nos países socialistas. Retornou ao Brasil em 1952 e desistiu da carreira política, passando a se dedicar inteiramente à literatura.

Jorge Amado viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. Faleceu em Salvador, no dia 6 de agosto de 2001, deixando uma vasta obra literária que ganhou adaptações para televisão, rádio, cinema e história em quadrinhos no Brasil, Portugal, França, Argentina, Suécia, Alemanha, Polônia, República Tcheca, Itália e Estados Unidos.

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Prêmios, títulos e homenagens

Jorge Amado recebeu diversos prêmios por sua obra. Dos prêmios internacionais, destacam-se:

  • Prêmio Internacional Lênin (Moscou, 1951);

  • Prêmio da Latinidade (Paris, 1971);

  • Prêmio do Instituto Ítalo-Latino-Americano (Roma, 1976);

  • Prêmio Risit d’Aur (Udine, Itália, 1984); Prêmio Moinho, Itália (1984);

  • Prêmio Dimitrof de Literatura, Sofia - Bulgária (1986);

  • Prêmio Pablo Neruda, Associação de Escritores Soviéticos, Moscou (1989);

  • Prêmio Mundial Cino Del Duca, da Fundação Simone e Cino Del Duca (1990); e

  • Prêmio Camões (1995).

Dos prêmios nacionais, destacam-se:

  • Prêmio Nacional de Romance do Instituto Nacional do Livro (1959);

  • Prêmio Graça Aranha (1959);

  • Prêmio Paula Brito (1959);

  • Prêmio Jabuti (1959 e 1970);

  • Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do Pen Clube do Brasil (1959);

  • Prêmio Carmen Dolores Barbosa (1959);

  • Troféu Intelectual do Ano (1970);

  • Prêmio Fernando Chinaglia, Rio de Janeiro (1982);

  • Prêmio Nestlé de Literatura, São Paulo (1982);

  • Prêmio Brasília de Literatura - Conjunto de Obras (1982);

  • Prêmio Moinho Santista de Literatura (1984);

  • Prêmio BNB de Literatura (1985).

Além disso, Jorge Amado recebeu os títulos de Comendador e de Grande Oficial na Venezuela, França, Espanha, Portugal, Chile e Argentina. Também foi titulado como Doutor Honoris Causa em universidades do Brasil, Itália, França, Portugal e Israel.

Recebeu também o título de Obá de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá, uma honraria do candomblé aos amigos e protetores do terreiro.

Jorge Amado na Academia Brasileira de Letras

Jorge Amado foi eleito imortal da ABL em 6 de abril de 1961, passando a ocupar a cadeira de número 23, cujo patrono é José de Alencar e cujo primeiro ocupante foi Machado de Assis. Depois de sua morte, a cadeira foi ocupada por sua esposa, a também escritora Zélia Gattai.

Leia também: Segunda geração do modernismo brasileiro

Características literárias

A vasta produção literária de Jorge Amado pode ser caracterizada como regionalista e de fundamentação realista. Regionalista, pois a ambientação de suas narrativas é sempre na Bahia: as paisagens baianas – marítimas, rurais ou urbanase seus costumes, personagens de marinheiros, pescadores, artistas, operários, lavradores, prostitutas, coronéis e pais de santo são marcas registradas do autor. “Acho a Bahia fundamental não só na cultura brasileira, mas no país como um todo. [...] Vem de lá um fato fundamental para a cultura brasileira: a mistura de sangue, de raças e de culturas, a miscigenação e o sincretismo”, disse o autor em 1992 à imprensa.

Estátua de Jorge Amado no Bar Vesúvio, em Ilhéus (BA). O bar é mencionado no romance Gabriela, cravo e canela. [2]
Estátua de Jorge Amado no Bar Vesúvio, em Ilhéus (BA). O bar é mencionado no romance Gabriela, cravo e canela. [2]

Além disso, na mesma entrevista, Jorge Amado atesta: “Sou incapaz de escrever sobre aquilo que não vivi”. Assim, sua obra é também de cunho realista, pautada na observação direta da realidade. Mas o realismo de Jorge Amado engloba o sincretismo e o misticismo, portanto também dá lugar para a dimensão mítico-folclórica da vivência humana. O autor é considerado um dos expoentes da segunda geração do modernismo brasileiro, período literário em que floresceu o romance regionalista e em que os autores retomaram o modo de composição do realismo do século XIX, à luz de novas concepções modernas.

A linguagem das obras de Jorge Amado é simples, direta e popular. Seus personagens também são oriundos das camadas populares – notadamente os mais pobres. O estilo das narrativas possui tons anedóticos, aventureiros e também eróticos.

Obras

Jorge Amado é autor de uma obra bastante extensa, em sua maioria composta de romances. Contos e livros de memória também fazem parte da produção literária do autor, mas foi como romancista que ele obteve grande sucesso.

Romances

O país do carnaval (1931)

Cacau (1933)

Suor (1934)

Jubiabá (1935)

Mar morto (1936)

Capitães da areia (1937)

Terras do Sem-Fim (1943)

São Jorge dos Ilhéus (1944)

Seara vermelha (1946)

Os subterrâneos da liberdade (1954)

Gabriela, cravo e canela (1958)

A morte e a morte de Quincas Berro D’Água (1961)

Os velhos marinheiros (1961)

Os pastores da noite (1964)

Dona Flor e seus dois maridos (1966)

Tenda dos milagres (1969)

Tereza Batista cansada de guerra (1972)

Tieta do Agreste (1977)

Farda fardão camisola de dormir (1979)

Tocaia grande (1984)

O sumiço da santa: uma história de feitiçaria (1988)

A descoberta da América pelos turcos (1992)

O milagre dos pássaros (1997)

Poesia

A estrada do mar (1938)

Biografia

ABC de Castro Alves (1941)

O cavaleiro da esperança (1942)

Teatro

O amor do soldado (1944)

Infantil

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá (1976)

A bola e o goleiro (1984)

Memórias e viagens

O mundo da paz (1951)

O menino grapiúna (1981)

Navegação de cabotagem (1992)

Crônicas

Hora da guerra (2008)

Capitães da areia

Publicado pela primeira vez em 1937, o romance Capitães da areia é centrado na história de um grande grupo de meninos de rua que moram num trapiche abandonado na cidade de Salvador dos anos 1930. Liderados por Pedro Bala, os meninos têm entre 9 e 16 anos e praticam furtos, roubos e golpes que garantem sua sobrevivência em meio às dificuldades da miséria somadas ao abandono.

O nome do romance tem origem na própria denominação do grupo. A narrativa é composta por diversas histórias dessas crianças e adolescentes hostilizados pela crueldade da desigualdade social avassaladora da capital baiana, em que os sonhos e a fé em um futuro melhor são sempre atravessados pela criminalidade. Cada um dos meninos possui seus próprios objetivos e desejos: Pedro Bala sonha seguir os passos do pai, um líder do movimento sindical; Gato, por sua vez, vive às voltas com prostitutas, muito preocupado com a aparência e a conquista das mulheres; Volta Seca nutre o sonho de se tornar cangaceiro; Professor é o único letrado do grupo, tem dons artísticos e deseja uma nova vida próxima das artes e distante da criminalidade e da luta pela sobrevivência; além de Dora, a única menina do grupo, entre outros personagens. É uma história de cunho social que escancara uma sociedade em conflito e olha diretamente para esses jovens excluídos.

A estrutura da narrativa foge à do romance tradicional, pois a história se faz a partir da montagem de quadros mais ou menos independentes, sem que haja uma relação de causalidade conduzindo o enredo.

Leia também: A prosa da cearense Rachel de Queiroz, contemporânea de Jorge Amado

Poemas

Jorge Amado foi mais prosador do que poeta, lançando em vida apenas um livro de poemas, edição hoje muitíssimo rara. Entretanto, podemos encontrar alguns versos ao longo de seus romances, na voz de seus personagens ou narradores.

Em Mar morto:

Lívia olha de sua janela
o mar morto sem Lua.
Aponta a Madrugada.
Os homens,
que rondavam a sua porta,
o seu corpo sem dono,
voltaram para as suas casas.
Agora tudo é mistério.
A música acabou.
Aos poucos as coisas se animam,
os cenários se movem,
os homens se alegram.
A madrugada rompe
sobre o mar morto.

Em Terras do sem fim:

Fazia pena, dava dó,
Tanta gente que morria.
Cabra de Horácio caía
E caía dos Badaró...
Rolavam os corpos no chão,
Dava dor no coração
Ver tanta gente morrer,
Ver tanta gente matar.

Se largou foice e machado,
Se pegou repetição...
Loja de arma enricou,
A gente toda comprou,
Se vendeu como um milhão.

Homem macho era Sinhô,
O chefe dos Badaró...
Uma vez, ele ia só,
Com cinco homens acabou.
Juca não era menos
Coragem nele sobrava,
E Juca não respeitava
Nem os grandes
Nem os pequenos.

Braz de nome Brasilino
José dos Santos se chamava,
Com ele ficava fino,
Mesmo do chão atirava,
Tanto ferido, matava.
Em Gabriela, cravo e canela:

Dorme, menina dormida
Teu lindo sonho a sonhar.
No teu leito adormecida
Partirás a navegar.
Estou presa em meu jardim
Com flores acorrentadas.
Acudam! Vão me afogar.
Acudam! Vão me matar.
Acudam! Vão me casar.
Numa casa me enterrar
Na cozinha a cozinhar
Na arrumação a arrumar
No piano a dedilhar
Na missa a me confessar.
Acudam! Vão me casar
Na cama me engravidar.

No teu leito adormecida
Partirás a navegar.

Meu marido, meu senhor
Na minha vida a mandar.
A mandar na minha roupa
No meu perfume a mandar.
A mandar no meu desejo

No meu dormir a mandar.
A mandar nesse meu corpo
Nessa minh’alma a mandar.
Direito meu a chorar.
Direito dele a matar.

No teu leito adormecida
Partirás a navegar,

Acudam! Me levem embora
Quero marido pra amar
Não quero pra respeitar
Quem seja ele – que importa?
Moço pobre ou moço rico
Bonito, feio, mulato
Me leva embora daqui,
Escrava não quero ser.
Acudam! Me levem embora.

No teu leito adormecida
Partirás a navegar.

A navegar partirei
Acompanhada ou sozinha
Abençoada ou maldita

A navegar partirei.
Partirei pra me entregar
A navegar partirei.
Partirei pra trabalhar
A navegar partirei.
Partirei pra me encontrar
Para jamais partirei.

Dorme menina dormida
Teu lindo sonho a sonhar.

Frases

“Não escrevi meu primeiro livro pensando em ficar famoso. Escrevi pela necessidade de expressar o que sentia...”

“Que prêmio a mais pode querer um escritor cuja obra é lida em mais de 30 idiomas.”

“Nossas elites são, de fato, extremamente preconceituosas, não merecem grande atenção.”

“Pobres dos escritores que não se derem conta disso: escrever é transmitir vida, emoção, o que conheço e sei, minha experiência e forma de ver a vida.”

“Na Europa, chamam-me de mestre, mas é caminhando pelas ruas de Salvador que eu me sinto à vontade.”

“Acho que o mais terrível [da ditadura militar brasileira] foi a degradação do caráter. Em relação a duas coisas. Você teve a tortura. Em segundo lugar, a ditadura institucionalizou a corrupção. Hoje, esse mal faz parte dos costumes”

“Mas enquanto houver miséria, enquanto houver Terceiro Mundo, pode ter certeza, meu amigo, que não haverá paz no mundo”

“A adaptação de qualquer obra de um autor é sempre uma violência, mas considero as versões de meus romances para a televisão muito positivas, porque levam a obra a milhões de pessoas que não leriam o livro”

“Eu continuo firmemente pensando em modificar o mundo e acho que a literatura tem uma grande importância.”

Créditos das imagens

[1] Andre Coria / Shutterstock.com
[2] Caio Pederneiras / Shutterstock.com

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