Metalinguagem

Metalinguagem é como chamamos a função da linguagem marcada pela autorreferencialidade. Assim, quando um texto verbal ou não verbal se volta para si mesmo, ou seja, evidencia a própria linguagem utilizada, tal texto é metalinguístico. A diferença entre metalinguagem e intertextualidade é que, na relação intertextual, um texto menciona direta ou indiretamente outro texto. Já a metalinguagem não consiste em fazer referência a outro texto, mas sim a si mesmo ou aos elementos que o compõem.

Leia também: O que é a função poética da linguagem?

Resumo sobre metalinguagem

• A metalinguagem é uma função da linguagem que consiste em evidenciar a própria linguagem utilizada em um texto verbal ou não verbal.
• Na metalinguagem, um texto verbal ou não verbal faz referência direta ou indiretamente a si mesmo ou aos elementos que o compõem.
• São exemplos de metalinguagem: um romance que fala sobre um romance, uma pintura que retrata o ato de pintar, um filme que fala sobre cinema.
• A intertextualidade é o diálogo entre textos, já a função metalinguística é marcada pela autorreferencialidade.

Videoaula sobre metalinguagem

O que é metalinguagem?

A metalinguagem é um fenômeno linguístico e artístico que consiste em evidenciar a própria linguagem utilizada. Portanto, é metalinguístico um romance que fala sobre um romance, uma pintura que retrata o ato de pintar, um filme que fala sobre cinema, um texto que teoriza o que é um texto etc. Assim, a metalinguagem é uma das funções da linguagem.

Exemplos de metalinguagem

• Uma poesia cujo tema é a poesia

O primeiro exemplo de metalinguagem que apresentaremos é o soneto “A um poeta”, da poetisa parnasiana Francisca Júlia. Nele, o eu lírico comenta a poesia e os versos de certo poeta, de forma que coloca em evidência a linguagem poética. Portanto, é uma poesia que fala de poesia, são versos que fazem referência a versos:

Poeta, quando te leio, a angústia dolorida
Que te mina a existência e que em teu peito impera,
Faz-me também sofrer, d’alma se me apodera,
Como se da minh’alma ela fosse nascida.

Sinto o que sentes: ora a lágrima sincera
Que foi pela saudade ou pelo amor vertida,
Ora a mágoa que habita em tua alma, — guarida
Onde a negra legião das mágoas se aglomera.

Não há nos versos teus um sentimento alheio
A esse teu coração macerado de fráguas;
Há neles ora o suave e módulo gorjeio

Das aves, ora a queixa harmônica das águas...
Leio os teus versos; e, em minh’alma, quando os leio,
Vai gemendo, em surdina, a música das mágoas...

SILVA, Francisca Júlia da. Mármores. Brasília: Senado Federal, 2020.

• A gramática explicando a gramática

A seguir, é possível observar a metalinguagem na definição que Cegalla faz da gramática na Introdução de sua Novíssima gramática da língua portuguesa:

A Gramática Histórica estuda a origem e a evolução de uma língua, acompanhando-lhe os passos desde o seu alvorecer até a época atual.

A Gramática Normativa enfoca a língua como é falada em determinada fase de sua evolução: faz o registro sistemático dos fatos linguísticos e dos meios de expressão, aponta normas para a correta utilização oral e escrita do idioma, em suma, ensina a falar e escrever a língua-padrão corretamente.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática da língua portuguesa. 48. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.

• Um filme sobre cinema

Já no cinema, alguns filmes famosos apresentam metalinguagem, ou seja, são obras que têm como temática a arte cinematográfica, como:

• • Cantando na chuva (1952), estado-unidense;
  • A cor púrpura do Cairo (1985), estado-unidense;
  • Cinema Paradiso (1988), ítalo-francês;
  • Saneamento básico (2007), brasileiro.

• Uma pintura retratando uma pintura

Como exemplo de pintura metalinguística, podemos mostrar um dos autorretratos de Vincent van Gogh (1853-1890) — Autorretrato como pintor. Nessa obra, vemos o próprio Van Gogh fazendo uma pintura:

• Música que tem como tema uma música

Um exemplo e música em que se percebe a metalinguagem é a famosa canção “Pra não dizer que não falei das flores”, em que o eu lírico faz referência a uma canção:

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Vem, vamos embora, que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão

[...]

Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não

Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

[...]

VANDRÉ, Geraldo. Pra não dizer que não falei das flores. In: VANDRÉ, Geraldo. Geraldo Vandré. Rio de Janeiro: Som Maior, 1979.

• Uma propaganda sobre propaganda

As imagens abaixo utilizam recursos da propaganda para falar de propaganda:

Veja também: Qual é a diferença entre denotação e conotação?

Tipos de metalinguagem

Além da metalinguagem simples ou direta (uma redação cujo tema é redação, um poema cujo tema é o poema etc.), há três tipos de metalinguagem:

• Metalinguagem ordenada

Consiste no uso de uma linguagem para explicar outra linguagem, em um encadeamento metalinguístico. Assim, ocorre uma multiplicidade de metalinguagens, em que a nova explica a anterior. Isso pode ser ilustrado por esta imagem:

• Metalinguagem incorporada

Quando um elemento de certa linguagem explica outro elemento, de forma incorporada, ou seja, de forma integrante.

Observe:

Livro complexo.

Chorou fortemente.

O elemento adjetivo “complexo” explica ou define o elemento substantivo “livro”, ou seja, integra o substantivo. Já o elemento advérbio “fortemente” explica ou define o elemento verbo “chorou”, de forma a se incorporar ao elemento objeto da explicação. Portanto, a metalinguagem está sempre presente na relação entre substantivo e adjetivo ou entre verbo e advérbio.

Segundo o mestre em Comunicação e Semiótica Eduardo D’Ávila, “a incorporada é a metalinguagem na qual um dos elementos, sendo ambos de uma mesma linguagem, faz referência a outro”.^|1| Assim, o caráter metalinguístico ocorre porque a linguagem é usada para explicar ou descrever um elemento da própria linguagem.

• Metalinguagem aninhada

É uma linguagem construída dentro de outra linguagem, de forma hierárquica, ou seja, em níveis. Por exemplo, na classificação dos seres vivos, temos o reino dos animais, que é dividido em vertebrados e invertebrados, os quais são divididos em classes etc.

Por exemplo, os vertebrados são divididos em cinco classes (anfíbios, aves, mamíferos, peixes e répteis). As classes são divididas em ordens, que são divididas em famílias, que são divididas em gêneros, que são divididos em espécies. Assim, uma mesma linguagem é utilizada para explicar cada nível.

Qual a função da metalinguagem?

A função da metalinguagem é colocar em foco a linguagem de determinado texto ou determinada obra, ou seja, explicitar os elementos que compõem tal linguagem, que pode ser oral, escrita, cinematográfica, teatral, pictórica, artística, literária etc.

Portanto, consiste em um processo de autorreflexão ou autorreferenciação, isto é, a linguagem que se volta para si mesma. Tal função pode estar presente em textos verbais ou não verbais e apresenta caráter explicativo ou definidor.

Metalinguagem e intertextualidade

A intertextualidade consiste no diálogo entre textos verbais ou não verbais. Por exemplo, quando citamos as palavras de um filósofo em uma redação escolar ou na redação do Enem, isso se configura em um processo intertextual. Portanto, o texto da redação faz referência ao texto filosófico citado. Na relação intertextual, um texto menciona direta ou indiretamente outro texto.

Já a metalinguagem consiste em um texto verbal ou não verbal que se volta para si mesmo, ou seja, ele faz referência direta ou indiretamente a si mesmo ou aos elementos que o compõem. Assim, a metalinguagem não consiste em fazer referência a outro texto, mas na autorreferenciação.

Saiba mais: Quais são as figuras de linguagem?

Exercícios resolvidos sobre metalinguagem

Questão 1 (Enem)

O resgate de um barco com 25 imigrantes africanos na costa do Maranhão reacendeu a discussão sobre o quanto o Brasil estaria, cada vez mais, atraindo pessoas de outros países em busca de refúgio ou de melhores condições de vida.

O país recebeu 33.866 pedidos de refúgio de imigrantes no ano de 2017, segundo um relatório recente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça.

A definição clássica de refugiado é “o imigrante que sofre de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”.

No entanto, a Acnur, agência da ONU para refugiados, já tem um entendimento ampliado do que pode configurar um refugiado, incorporando também as características de uma crise humanitária: fome generalizada, ausência de acesso a medicamentos e serviços básicos e perda de renda.

Disponível em: www.bbc.com. Acesso em: 22 maio 2018 (adaptado).

Nesse texto, a função metalinguística tem papel fundamental, pois revela que o direito de o imigrante ser tratado como refugiado no Brasil depende do(a)

A) número de pedidos de refúgio já registrados no relatório do Conare.

B) compreensão que o Ministério da Justiça tem da palavra “refugiado”.

C) crise humanitária que se abate sobre os países mais pobres do mundo.

D) profundidade da crise econômica pela qual passam determinados países.

E) autorização da Acnur, que gerencia a distribuição de refugiados pelos países.

Resolução: Alternativa B.

O caráter metalinguístico mencionado no enunciado faz referência à definição da palavra “refugiado”. Assim, o direito de o imigrante ser tratado como refugiado no Brasil depende da compreensão que o Ministério da Justiça tem dessa palavra.

Questão 2 (Enem)

Um conto de palavras que valessem mais por sua modulação que por seu significado. Um conto abstrato e concreto como uma composição tocada por um grupo instrumental; límpido e obscuro, espiral azul num campo de narcisos defronte a uma torre a descortinar um lago assombrado em que o atirar uma pedra espraia a água em lentos círculos sob os quais nada um peixe turvo que é visto por ninguém e no entanto existe como algas do oceano. Um conto-rastro de uma lesma também evento do universo qual a luz de um quasar a bilhões de anos-luz; um conto em que os vocábulos são como notas indeterminadas numa pauta; que é como bater suave e espaçado de um sino propagando-se nos corredores de um mosteiro [...]. Um conto noturno com a fulguração de um sonho que, quanto mais se quer, mais se perde; é preciso resistir à tentação das proparoxítonas e do sentido, a vida é uma peça pregada cujo maior mistério é o nada.

SANT’ANNA, S. Um conto abstrato. In: O voo da madrugada. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.

Utilizando o recurso da metalinguagem, o narrador busca definir o gênero conto pelo procedimento estético que estabelece uma

A) confluência de cores, destacando a importância do espaço.

B) composição de sons, valorizando a construção musical do texto.

C) percepção de sombras, endossando o caráter obscuro da escrita.

D) cadeia de imagens, enfatizando a ideia de sobreposição de sentidos.

E) hierarquia de palavras, fortalecendo o valor unívoco dos significados.

Resolução: Alternativa D.

Ao definir o que é um conto, o narrador utiliza o recurso da metalinguagem. Em sua definição, ele usa uma cadeia de imagens: “espiral azul num campo de narcisos defronte a uma torre a descortinar um lago assombrado em que o atirar uma pedra espraia a água em lentos círculos sob os quais nada um peixe turvo que é visto por ninguém e no entanto existe como algas do oceano”, “rastro de uma lesma também evento do universo qual a luz de um quasar a bilhões de anos-luz” etc. Dessa forma, ele apresenta uma multiplicidade de sentidos.

Nota

^|1| D’ÁVILA, Eduardo. A TV em metalinguagem: um estudo dos processos e redes comunicaionais. 2015. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

Fontes

ABAURRE, Maria Luiza M.; ABAURRE, Maria Bernadete M.; PONTARA, Marcela. Português: contexto, interlocução e sentido. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2016. v. 1.

D’ÁVILA, Eduardo. A TV em metalinguagem: um estudo dos processos e redes comunicaionais. 2015. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2016.

NICOLA, José de; INFANTE, Ulisses. Gramática contemporânea da língua portuguesa. 15. ed. São Paulo: Scipione, 1999.