Sousândrade

Por Luana Castro Alves Perez

Sousândrade talvez seja o caso mais representativo de injustiça poética que acomete diversos escritores da Literatura Brasileira.

Poeta incompreendido à sua época, Sousândrade permanece inédito e pouco explorado pela maioria dos leitores brasileiros
Poeta incompreendido à sua época, Sousândrade permanece inédito e pouco explorado pela maioria dos leitores brasileiros

Poeta único em nossa Literatura Brasileira, cuja originalidade o faz transitar entre os românticos da segunda e da terceira geração, Joaquim de Sousa Andrade, ou simplesmente Sousândrade, como preferia ser chamado, foi um importante escritor do século XIX. O teor de seus poemas, por vezes ultrarromânticos, noutras abolicionistas e republicanos, comprova toda a versatilidade do poeta cuja obra vem sendo resgatada desde as últimas décadas do século XX.

Sousândrade nasceu em 1833, em Vila de Guimarães, no Maranhão, e faleceu no ano de 1902 na capital, São Luís. Foi contemporâneo de escritores como Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, José de Alencar, entre outros, sem jamais ter recebido o reconhecimento de seus pares. Sua obra permaneceu durante muito tempo marginalizada, rendendo ao poeta a alcunha de poeta maldito, pois à sua época não pertencia ao grupo de escritores cuja temática correspondia ao interesse literário dominante. Incompreendido pela crítica e pelo público de seu tempo, Sousândrade hoje é reconhecido como um dos precursores da literatura moderna, ao lado de nomes internacionais como Charles Baudelaire e Edgar Allan Poe.

SAUDADES NO PORVIR

Eu vou com a noite

Pálida e fria

Na penedia

Me debruçar :

O promontório

De negro dorso,

Qual nau de corso

Se alonga ao mar.

 

Dormem as horas,

A flor somente

Respira e sente

Na solidão;

A flor das rochas,

Franzina e leve,

Ao sopro breve

Da viração.

 

Cantando o nauta

Desdobra as velas

Argênteas, belas

Azas do mar;

Branqueia a proa

Partindo as vagas,

Que n' outras plagas

Se vão quebrar.

 

Eu ponho os olhos

No firmamento:

Que isolamento,

Oh, minha irmã !

Apenas o astro

Que a luz duvida,

Promete a vida

Para amanhã.

 

Naquela nuvem

Te vejo morta;

Meu peito corta

Cruel sentir ï

Da lua o túmulo

Na onda ondula,

E o mar modula

Como um porvir..

De "Impressos" .

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Sua obra poética teve início em 1857 com os poemas Harpas selvagens, cuja temática aproximou-o dos românticos da segunda geração. Nela percebe-se um grande arrojo linguístico através da análise dos inusitados arranjos sonoros e do plurilinguismo (o poeta, que se bacharelou em Letras e Engenharia de Minas na França, peregrinou por diversos países, como Bélgica, Estados Unidos e Chile, daí o interesse por outros idiomas, elemento que reverberou em sua poesia).

Durante sua passagem por Nova Iorque, Sousândrade escreveu o poema O Guesa Errante (1874/1877), que viria a ser sua obra máxima. Nele, o poeta, que possuía uma visão mais ampla e crítica sobre o indianismo (temática encontrada na obra de escritores como José de Alencar), narra o sacrifício de um adolescente que, depois de longas peregrinações na rota do deus Sol, é imolado pelos sacerdotes que lhe extraem o coração e recolhem o sangue nos vasos sagrados. Esse adolescente é, para Sousândrade, o símbolo do selvagem que o branco mutilou e, diferentemente de seus pares, que exaltavam o índio e também o colonizador europeu, Sousândrade apresenta uma visão nada benevolente do homem branco. Leia um trecho do poema:

(...)

"Nos áureos tempos, nos jardins da América
Infante adoração dobrando a crença
Ante o belo sinal, nuvem ibérica
Em sua noite a envolveu ruidosa e densa.

"Cândidos Incas! Quando já campeiam
Os heróis vencedores do inocente
Índio nu; quando os templos s'incendeiam,
Já sem virgens, sem ouro reluzente,

"Sem as sombras dos reis filhos de Manco,
Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia
A fazer-se...) num leito puro e branco
A corrupção, que os braços estendia!

"E da existência meiga, afortunada,
O róseo fio nesse albor ameno
Foi destruído. Como ensanguentada
A terra fez sorrir ao céu sereno!

(...)

Sousândrade pode ser considerado um dos casos mais representativos da injustiça poética que acomete muitos escritores em nossa Literatura Brasileira. Em 1877, quando da publicação de O guesa errante, o poeta afirmava: “Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa errante será lido cinquenta anos depois; entristeci – decepção de quem escreve cinquenta anos antes”. Infelizmente Sousândrade estava certo, embora ainda otimista, pois ainda hoje, bem mais de um século da publicação de sua obra máxima, permanece ainda inédito para a imensa maioria dos leitores brasileiros.

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