Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu - ultrarromânticos por excelência

Por Vânia Maria do Nascimento Duarte


Casimiro de Abreu (à direita) e Álvares de Azevedo (à esquerda) – principais representantes do ultrarromantismo


Eis que nos deparamos com dois grandes representantes da segunda geração romântica. Ambos, ao lado de Fagundes Varela e Junqueira Freire abrilhantaram a produção poética do período em questão. Partindo desse pressuposto, situemo-nos ao título do artigo que ressalta acerca de um termo passível de questionamentos – “ultrarromânticos”. Qual seria o motivo para tal denominação?

É bem possível que possamos apreender perfeitamente após nos situarmos diante das características que nortearam toda a temática pertencente ao Romantismo. E, diga-se de passagem, a de maior relevância foi a temática voltada para o amor. Ideologicamente, ele foi concebido por quase todos os representantes românticos como uma espécie de regenerador do caráter humano: o indivíduo adquire ou recupera sua dignidade por meio dele, ou seja, quando lhe faltam virtudes, estas são recuperadas pelo fenômeno amoroso. Ao nos referirmos sobre o caráter, é bom que se diga que este não se relaciona à moral, mas sim à tentativa de recuperação dos próprios valores.

No intento de compreendermos tal afirmativa, façamos uma breve retomada ao contexto histórico daquela época. Durante um significativo período, o Brasil esteve sob o comando dos poderes lusitanos e, somente com a Proclamação da Independência, é que a situação se reverteu. Diante disso, fazia-se necessário uma reversão no cenário cultural brasileiro, no intuito de valorizar suas raízes como um todo. Daí que os artistas se propuseram a criar uma literatura genuinamente nacional.

Foi subsidiado neste propósito, somado a um notável sentimento subjetivo e exacerbado, pessimista e melancólico que os poetas revelaram toda sua habilidade imaginativa. E, por assim dizer, a melancolia foi a mola-mestra de todas as criações referentes à segunda fase, a qual enfatizaremos veementemente a partir de agora. Voltando ao aspecto ultrarromântico, Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu cultivaram-no em todas as suas obras, observemos:

Lembrança de morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.


E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.


Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
[...]

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Álvares de Azevedo

Detectamos que o poeta se mostra pessimista frente à realidade cotidiana, impregnado por instinto tedioso, abnegado de qualquer esperança. O sonho e o devaneio, características marcantes da estética em voga, também ocupam posição de destaque, é o que podemos conferir em:
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;


Outro aspecto notório é a figura feminina que, segundo a ótica do artista, é concebida como algo platônico, imaterial e intocável, cujas virtudes se aproximam do poder divinal. Desta feita, percebemos que platonismo e sensualidade parecem fundir-se mutuamente, resultando, portanto, em um medo de amar. Como bem nos revela o excerto que segue:
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!


Adentraremos, pois, na magia expressa pelos versos de Casimiro de Abreu:

Amor e medo

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

[...]


Todos os pressupostos acima mencionados também se fazem presentes diante desta criação poética. Notamos que a figura da mulher parece tocar os sentimentos do poeta, tentando-o. Entretanto, tal sentimento parece aos poucos se esvair mediante a impossibilidade de possuí-la:
Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!".


O mesmo medo de se entregar ao amor, manifestado primeiramente por Álvares de Azevedo, evidencia-se de modo enfático em Casimiro. Como em:
Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...


Mediante todos os conceitos até então enfatizados, há uma questão elementar, digna de nota. A segunda geração é caracterizada pelo mal do século, termo que designa um estado de espírito depressivo, condicionando o indivíduo a um estado de total morbidez, tédio e desejo de morte, razão pela qual todos os representantes deste período morreram precocemente. O fato é que o artista, por se mostrar incompatível aos estímulos externos (provenientes do fator social), optava por se refugiar em lugares sombrios e úmidos, entregando-se definitivamente à vida boêmia e, como consequência, eram acometidos por inúmeras doenças, em especial a tísica, conhecida como tuberculose.

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