Variações linguísticas e o preconceito linguístico

Por Luana Castro Alves Perez

Aceitar a existência e a importância das variações linguísticas é o primeiro passo para combater o preconceito linguístico.

O primeiro passo para desfazer o preconceito linguístico é respeitar a existência das variações linguísticas e dos diferentes contextos culturais
O primeiro passo para desfazer o preconceito linguístico é respeitar a existência das variações linguísticas e dos diferentes contextos culturais

 ♪ ♫ “(...) Eu canto em português errado
Acho que o imperfeito não participa do passado
Troco as pessoas
Troco os pronomes (…)”. ♪ ♫

(Meninos e Meninas – Legião Urbana)

“Eu canto em português errado”. A afirmação de Renato Russo na letra da canção Meninos e Meninas é o pontapé para uma interessante investigação linguística: afinal, é possível cantar ou falar em “português errado”?

Quantas vezes ouvimos de pessoas próximas frases do tipo “eu não sei português”, “eu não gosto de português”, “eu falo errado”, “fulano fala tudo errado”, “eu já falo português, por quê preciso estudar isso?”, entre outras afirmações e questionamentos que fazem com que nossa língua se pareça com um mistério insondável? É possível que você, falante da língua portuguesa, possa não saber nada sobre seu próprio idioma? Ou saber tudo a ponto de não precisar adentrar nas minúcias gramaticais? Pois bem, quando o poeta gritou para o mundo que “canta em português errado”, na verdade ele sabia que, às vezes, “falar errado” deixa o idioma mais, digamos assim, palatável.

Por exemplo, segundo a gramática, o verbo namorar é transitivo direto, ou seja, ele não aceita preposição. Mas atire a primeira pedra quem nunca disse que “namora com alguém”, não é mesmo? Outro exemplo: você diz “eu te amo” ou “amo-te”? A primeira opção é uma preferência nacional, a menos que você seja um linguista fanático por gramatiquices que não suporta variações na modalidade oral. Essas questões nos fazem refletir sobre as variações linguísticas, que são, e devem ser, admitidas na fala. Dizer que alguém fala o português melhor ou pior do que alguém só reforça a combatida ideia do preconceito linguístico, tão presente em nossa cultura.

A norma-padrão pode não estar adequada a todas as situações comunicativas. A coloquialidade é um interessante recurso expressivo
A norma-padrão pode não estar adequada a todas as situações comunicativas. A coloquialidade é um interessante recurso expressivo

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A gramática é um compêndio de regras importantes para a manutenção do idioma. Imagine se não tivéssemos um manual ao qual pudéssemos consultar na ocorrência de uma dúvida? Imagine se as regras não existissem e, por esse motivo, cada falante resolvesse estabelecer suas próprias normas? Viveríamos em uma verdadeira “torre de Babel”, e nossa língua portuguesa estaria fadada ao esquecimento. Quando falamos em preconceito linguístico, não estamos propondo que os falantes rasguem a gramática, mas sim que considerem as duas modalidades do idioma: oral e escrita, assim como a existência de uma língua culta e de uma língua coloquial. Dizer que alguém “fala errado” desconsidera diversos fatores extralinguísticos, como as variações existentes em cada comunidade, cada região, cada contexto cultural.

Renato Russo cantava em “português errado” porque ele sabia que algumas escolhas linguísticas tornam o idioma mais expressivo, já que usar a gramática normativa parece deixar a fala um tanto “sem graça”. Estamos falando de uma licença poética, permitida na linguagem literária, portanto, quando a necessidade pedir que você escreva um texto não literário, prefira a norma- padrão culta, pois, na escrita, o que vale é o respeito às regras gramaticais. Quanto à fala, nada de ficar apontando os “erros” dos outros falantes, lembre-se de que existem outros contextos culturais diferentes do seu. O uso é o que torna a língua viva. Tomemos como exemplo o fragmento do poema de Manuel Bandeira:

[...] A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada [...]"
.

(Evocação do Recife – Manuel Bandeira) 

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