Polissíndeto

Por Diogo Berquó

O polissíndeto é uma figura de linguagem que se alicerça no emprego repetido de conjunções coordenativas a fim de imprimir ideias, por exemplo, de continuidade, de destaque das situações apresentadas, entre outras. 

Essa configuração sintática se distancia bastante da presente no assíndeto, tendo em vista que, conforme o próprio prefixo desta anuncia, há uma ausência de conjunção, a qual pode ser substituída por pontuações, como vírgulas.

Em contrapartida, o polissíndeto compartilha com a anáfora o fato de serem caracterizados pela recorrência, mas esta exige o aparecimento das mesmas palavras no início da frase e não, necessariamente, será um conectivo.

Leia também: Anacoluto – figura de linguagem que consiste em isolamento de termos em uma oração

O que é polissíndeto?

O polissíndeto é uma figura de linguagem bastante usada em textos literários.
O polissíndeto é uma figura de linguagem bastante usada em textos literários.

A manifestação do polissíndeto se dá pela recorrência do emprego de conectivos coordenativos, ou seja, de uma espécie de ponte linguística capaz de ligar elementos independentes. Tal recurso estilístico é percebido entre os termos de uma mesma oração, desde que esses desempenhem uma função sintática idêntica, ou, ainda, entre orações que possuam sentido completo.

Normalmente, para indicar uma noção de limite, os conectivos, quando utilizados em encadeamentos de termos coordenados, apenas são inseridos antes da palavra final da oração, conforme se constata a seguir:

Comi um sanduíche, uma batata frita e uma porção de cebolas empanadas.

A marcação de todas as conjunções, evidenciando, portanto, um polissíndeto, é a exceção e confere diversos matizes expressivos à comunicação. Veja isso nos exemplos.

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Exemplos

“[...] Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome.” (Clarice Lispector)

A repetição da conjunção e gera um destaque nos verbos utilizados, assim, as ações relacionadas à alimentação se revestem de uma continuidade que beira à infinitude, já que são atos compartilhados, observadas as proporções, por todos os seres humanos.

A festa foi um desastre, pois nem o DJ compareceu, nem os principais convidados, nem havia comida farta, nem as luzes conferiam charme ao ambiente, nem as flores da decoração estavam vivas.

A constância do termo nem expressa, de forma dramática, o fiasco da celebração, o que não aconteceria se, em vez da conjunção, o autor da construção verbal optasse por utilizar pontuações.

Veja também: Elipse – omissão de um termo em um enunciado, porém que tem seu sentido subentendido

Diferença entre polissíndeto e assíndeto

Como exposto, o polissíndeto é um recurso estilístico pautado na repetição de conjunções coordenativas. No caso do assíndeto, percebe-se que a sua configuração é contrária à do polissíndeto, e isso é demonstrado, inclusive, pelos prefixos presentes nas palavras, já que poli significa muitos e a carrega os sentidos de ausência ou negação.

Dessa forma, assíndeto constitui uma figura de linguagem cuja base é a supressão dos conectivos responsáveis pela união tanto das orações coordenadas quanto de termos presentes na mesma oração, os quais exercem, no campo da sintaxe, a mesma função.

Exemplos:

“[...] Abaixou vacilou, ele passa
Se liga, necessário,
machuca, humilha, traça”
(O Rappa)

Observe que o uso das vírgulas confere à estrutura uma certa agilidade, a qual pode ser associada à dinamicidade dos passes presentes em um jogo, por exemplo, de futebol.

“Acordo para a morte.
Barbeio-me, visto-me,
calço-me”
(Carlos Drummond de Andrade)

Veja que a ausência de conectivos transmite ao leitor uma sensação de que as ações se repetem indefinidamente, encontrando o fim delas apenas quando o eu lírico morrer. Para saber mais sobre essa figura de linguagem que suprime as conjunções, leia: Assíndeto.

Diferença entre polissíndeto e anáfora

As duas figuras de linguagem são alicerçadas na ideia de repetição, entretanto, no polissíndeto, há a recorrência de conectivos entre orações coordenadas ou entre palavras que exerçam funções idênticas numa mesma oração, ao passo que, na anáfora, necessariamente, a recorrência de um dado vocábulo ocorre no início de um verso ou de uma frase (comunicação dotada de sentido, que pode ou não possuir verbo. Exemplo: Aleluia!).

Essa estratégia estilística tem o condão de intensificar o compromisso daquele que fala ou escreve com o conteúdo da mensagem, conforme se constata a seguir:

Ilha cheia de graça
Ilha cheia de pássaros
Ilha cheia de luz.

  Ilha verde onde havia
mulheres morenas e nuas [...]”
(Cassiano Ricardo)

Perceba que o eu lírico, isto é, a voz presente no poema, faz a descrição de uma ilha, a qual ou ele visitou ou viu em algum veículo de comunicação ou, ainda, imaginou. Independentemente da forma de contato, a certeza presente nas palavras é inquestionável, o que evidencia um estreito laço entre elas e o teor expresso no poema.

Além dessa aproximação, há que se pensar que o leitor, o ouvinte dos enunciados, quando se depara com a anáfora, confere às palavras novos sentidos, conforme se constata a seguir:

“Lá nas areias infindas,
Das palmeiras do país,
Nasceram — crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem da cabana
Cisma da noite nos véus...
... Adeus! Ó choça do monte!...
...Adeus! palmeiras da fonte!...
...Adeus! amores...adeus!....

Depois o areal extenso...
Depois o oceano em pó...
Depois no horizonte imenso...
Desertos… desertos só...”
(Castro Alves)

Observe que a repetição do termo “Adeus” imprime no texto, além de uma despedida, uma grande tristeza, já que, ao se afastar de forma compulsória do local, o eu lírico passa por um processo de rememoração de espaços que, apesar de cotidianos, impactaram-no de alguma maneira. A sequência anafórica “Depois” não só expressa um lapso temporal, mas também uma constância de lugares que se diferem negativamente dos anteriores, materializando, assim, uma nova vida de provações.

Acesse também: Assonância – figura de linguagem que consiste na repetição de sons vocálicos

Exercícios resolvidos

Questão 1 - Leia a estrofe do poema e marque a alternativa correta:

“Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto de alegria e serenidade.”
(Vinicius de Moraes)

A) O recurso estilístico utilizado é a anáfora, pois há uma repetição de estruturas, ao final das orações, que rimam.
B) A figura de linguagem presente no poema é o assíndeto, já que o eu lírico optou por suprimir as conjunções entre os elementos que desempenham a mesma função sintática na oração.
C) A recorrência de “Que ninguém mais...” evidencia um desconhecimento linguístico do autor do texto, pois ele poderia utilizar outras palavras que manifestassem o mesmo sentido.
D) O uso, no início de cada verso, de “Que ninguém mais...” constitui uma anáfora, tendo em vista que a repetição intensifica os sentidos.
E) Percebe-se que o polissíndeto está presente nos versos do poema, pois, em cada um, há a colocação do advérbio tanto.

Resolução

Alternativa D.

Erros nas demais alternativas:

A) Anáfora ocorre apenas no início.
B) Não há assíndeto no poema.
C) A repetição foi proposital, demonstrando um domínio das diversas expressões linguísticas.
E) O polissíndeto só é caracterizado quando há recorrência de conjunções.

Questão 2 – Leia a estrofe do poema a seguir e marque a alternativa incorreta.

“Não tinha havido nem flores
o ano inteiro.
Nem guerras, nem aulas, nem missas, nem viagens
e nem barca e nem marinheiro.”
(Cecília Meireles)

A) A figura de linguagem predominante na estrofe do poema é o polissíndeto.
B) “Nem” é uma conjunção coordenativa.
C) A repetição da palavra “nem” foi proposital para a construção dos sentidos do texto.
D) O poema versa sobre várias ausências experienciadas pelo eu lírico num dado período.
E) O recurso estilístico predominante na estrofe do poema é o assíndeto.

Resolução

Alternativa E, pois não se trata de um assíndeto.

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