Figuras de pensamento

Por Diogo Berquó

As figuras de pensamento, as quais são pautadas na falta de correspondência entre o que se fala ou escreve e a realidade a respeito da qual se enuncia, podem acontecer na forma de:

  • hipérboles (exageros);

  • eufemismo (atenuação);

  • ironia (inversão);

  • antítese (convivência de opostos);

  • paradoxo (opostos que juntos prejudicam a coerência);

  • personificação (seres irracionais e inanimados com características humanas);

  • gradação (intensificação);

  • apóstrofe (um chamado a alguém interno ou externo à história contada);

  • lítotes (uma negação cujo sentido afirma algo).

Leia também: Figuras de palavras ou semânticas – emprego de palavras com sentido conotativo

As figuras de pensamento desencadeiam alterações no plano do significado.
As figuras de pensamento desencadeiam alterações no plano do significado.

Hipérbole

Hipérbole é utilizada para engrandecer ou diminuir, de forma não condizente com a realidade, alguma informação, conferindo, assim, um destaque a ela. Essa figura de pensamento muitas vezes expressa uma sensação intensa experienciada por aquele que fala ou escreve.

Diante da ênfase do enunciador em relação a sua manifestação, a hipérbole constitui um elemento estilístico de modalização, ou seja, um recurso capaz de atestar o quanto a pessoa se compromete ou não com o conteúdo exteriorizado por ela.

Exemplos:

  • Chorou rios de lágrimas.

  • Estou morta de vontade de comer uma pizza.

Não há a possibilidade de o choro apresentar um volume de um curso d’água, bem como é inacreditável que alguém que já perdeu a vida sinta um desejo como o acima. Dessa maneira, o uso dos termos “rios” e “morta” é um exagero. Para saber mais sobre essa figura de pensamento, acesse nosso texto: hipérbole.

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Eufemismo

Eufemismo é uma figura de linguagem na qual o enunciador, por meio da escolha de palavras e expressões que estão num campo semântico tido como positivo, suaviza a transmissão das mensagens cujos conteúdos versam sobre eventos normalmente considerados:

  • trágicos;

  • constrangedores;

  • asquerosos;

  • desagradáveis.

Observe o exemplo:

“Dez anos se passaram/cresceram meus irmãos/E os anjos levaram minha mãe pelas mãos.” (Titãs)

Perceba que, na letra da música Marvin, da banda brasileira Titãs, a morte da mãe do eu lírico é amenizada pelo emprego da palavra anjos, que são seres transcendentes e bondosos, os quais, além de fazerem companhia, ainda ofereceram as suas mãos a fim de apoiar a progenitora no momento da passagem dela. Saiba mais sobre essa figura de linguagem lendo: eufemismo.

Ironia ou antífrase

A ironia consiste na desvirtuação dos sentidos denotativos das palavras, ou seja, dos significados dispostos nos dicionários, uma vez que o enunciador, ao empregar alguns termos e expressões, objetiva, na verdade, exteriorizar o oposto do que foi dito ou escrito. Tal fenômeno linguístico é identificado por meio da análise contextual. Veja o exemplo a seguir:

Moça linda, bem tratada,

Três séculos de família,

Burra como uma porta:

Um amor!

(Mário de Andrade)

A figura feminina é alvo de ironia no poema de Mário de Andrade.
A figura feminina é alvo de ironia no poema de Mário de Andrade.

O trecho acima conduz o leitor a compreender que a caracterização da moça como um amor não é possível, tendo em vista que, nas estrofes anteriores, o eu lírico a chamou de burra, isto é, uma pessoa desprovida de inteligência, e ainda a associou ao fato de ser de uma família tradicional, consolidada, o que automaticamente remete à hipocrisia dos círculos sociais e à soberba. Assim, a personagem descrita provavelmente é uma pessoa antipática. Para aprender ainda mais sobre essa figura, leia: ironia.

Antítese

Antítese é o emprego, num mesmo período, de palavras, expressões que apresentam sentidos opostos. Tal construção, muitas vezes, objetiva marcar o estado de confusão vivenciado pelo enunciador, já que os próprios termos ou expressões, quando situados em polos contrários, estabelecem uma tensão entre si. Ressalta-se o fato de essa figura de pensamento requerer, para a sua identificação, uma análise do contexto de formulação e um conhecimento do interlocutor acerca dos significados dicionariais.

 

Exemplo:

Não existiria som se não

Houvesse o silêncio

Não haveria luz se não

Fosse a escuridão

A vida é mesmo assim

Dia e noite, não e sim

Perceba que a música “Certas coisas”, de Lulu Santos, recorre constantemente à natureza dicotômica do mundo para manifestar o estado de reflexão do eu lírico.

Veja também: Pleonasmo – recurso linguístico que utiliza a repetição de um termo ou ideia

Paradoxo

O paradoxo pode ser considerado uma espécie de antítese, pois também se estrutura a partir do emprego de termos opositores. Nessa figura de pensamento, entretanto, a coerência é prejudicada, tendo em vista que, ao confrontar a perspectiva comum das pessoas, o enunciado insinua a inverdade do seu teor.

Exemplo:

Claro enigma

O título de uma das obras de Carlos Drummond de Andrade brinca com a impossibilidade de um enigma, que é conhecido pela sua dificuldade ou impossibilidade de desvendamento, ser claro, ou seja, transparente, nítido, indubitável.

Exemplo:

Já estou cheio de me sentir vazio.

O trecho da música de Renato Russo causa um estranhamento, pois como é possível uma pessoa, ao mesmo tempo, sentir-se cheia e vazia? Saiba mais sobre essas duas figuras que tratam de termos com sentidos opostos em: antítese e paradoxo.

Personificação

A personificação é pautada na imputação de características eminentemente humanas a seres tidos como irracionais. Em vista disso, esses que normalmente não poderiam participar do contexto enunciativo passam a ser ouvidos, a falarem e a responderem quando interpelados.

Exemplo:

“Lúcio pôs-se a observar a agonia da lenha verde que se estorcia, estalava de dor, estoirava em protestos secos e se finava, chiando, espumando de raiva vegetal”. (José Américo de Almeida)

A lenha é um elemento inanimado, entretanto o autor confere a ela sensações humanas.
A lenha é um elemento inanimado, entretanto o autor confere a ela sensações humanas.

Observe que o sujeito que protesta e experiencia a agonia, a dor, a raiva é a lenha verde, a qual, em razão da sua natureza, não poderia ser agente, tampouco paciente na situação descrita, contudo o autor do texto, ao transferir sensações típicas das pessoas, consegue imprimir uma maior carga dramática à cena. Para conhecer mais detalhes sobre o uso dessa figura de linguagem muito utilizada nos textos literários, leia: personificação (prosopopeia).

Gradação

A gradação consiste num encadeamento de palavras ou expressões a fim de evidenciar os diversos níveis de intensidade entre elas. Tendo em vista essa configuração da figura de pensamento, oferta-se, ao leitor, a compreensão a respeito das várias etapas até se chegar ao ápice da situação descrita, o que pode ser comparado ao ato de subir uma escada, no qual cada degrau deixado para trás faz o indivíduo chegar mais próximo de seu destino.

Ressalta-se que a gradação pode ocorrer na relação dos termos que possuem uma proximidade semântica, conforme se observa a seguir na apresentação das fases de um corpo que está enfraquecendo:

“Seu Irineu pisou no prego e esvaziou. Apanhou um resfriado, do resfriado passou à pneumonia, da pneumonia passou ao estado de coma e do estado de coma não passou mais. Levou pau e foi reprovado”. (Stanislaw Ponte Preta)

Também pode ser verificada em construções mais sofisticadas, nas quais a identificação da figura de linguagem depende da atenção ao contexto da fala ou da escrita, tendo em vista que a progressão, muitas vezes, dá-se por meio de metáforas (utilização de uma palavra em um contexto que foge ao disposto nos dicionários, resultando na modificação do sentido dela).

Exemplo:

“Quero rever-te, pátria minha, e para

Rever-te me esqueci de tudo

Fui cego, estropiado, surdo, mudo

Vi minha humildade morte cara a cara

Rasguei poemas, mulheres, horizontes

Fiquei simples, sem fontes”

(Vinícius de Moraes)

Repare que poemas, mulheres, horizontes não são palavras que se encontram numa mesma esfera significativa, entretanto, ao se analisar o conjunto do poema, constata-se que elas formam uma gradação até o retorno do eu lírico ao seu país de origem. Para conhecer mais detalhes sobre essa figura de pensamento, leia: gradação ou clímax.

Apóstrofe

Apóstrofe é um artifício no qual há o destaque de uma expressão ou um pensamento, por meio do chamamento de uma pessoa, que pode ser real, como um amigo, ou imaginária, por exemplo, a fada do dente, e pode ainda estar na história ou ser externa a ela, situada, portanto, na vida real. Tal figura de pensamento desempenha sintaticamente a função de vocativo, assim a interpelação, segundo a norma-padrão da Língua Portuguesa, deve estar isolada entre vírgulas, entretanto, em poemas, observa-se a desvirtuação dessa regra, conforme se constata abaixo:

Ó Marília! Ó Dirceu! Eram dois ninhos

Os vossos corações, ninhos de flores;

Mas, entre os quais, sentíeis os rigores

Lacerantes de incógnitos espinhos;

(Raimundo Correia)

Perceba que em “Ó Marília!” e “Ó Dirceu!”, apesar de serem apóstrofes e, por conseguinte, serem vocativos, o autor utilizou pontos de exclamação em vez de vírgulas para separá-los.

Veja também: Elipse – figura de linguagem que omite um termo que pode ser subentendido pelo contexto

Lítotes

A lítotes se manifesta numa afirmação construída a partir da negação de seu contrário. Verifique a seguir alguns casos dessa figura de pensamento:

  • Maria não é inteligente.

  • Humberto não deixou um legado positivo.

Repare que, ao declarar que Maria não é inteligente, fica claro que, na verdade, ela é uma pessoa burra. Do mesmo modo, o advérbio “não” presente na oração sobre Humberto expressa o fato de sua herança ser negativa. Diante de tais construções, há que se atentar ao efeito de atenuação das ideias e, portanto, da ocorrência simultânea do eufemismo e da lítotes. Para entender melhor como funciona essa figura, acesse: litotes.

Exercícios resolvidos

Questão 1- (Unicamp)

“Ironia ao natural

É natural,

é bom

e quanto mais melhor,

como os cogumelos

vermelhos,

as rãs azuis

ou o suco de serpente...

É químico,

processado,

é mau,

como a

aspirina,

um perfume

ou o plástico

da válvula

cardíaca

de um coração...”

PAIVA, João. Quase poesia quase química. Sociedade Portuguesa de Química, 2012, p. 15. Disponível em: <www.spq.pt/files/docs/boletim/poesia/quase-poesia-quasequimica- jpaiva2012.pdf>. Acesso em: 6 jul. 2016.

Nesse poema, há

A) inversão dos atributos do que seria bom na natureza e do que seria ruim nos processados, de modo a, ironicamente, ressaltar a importância da química.

B) comparação entre o lado bom dos produtos naturais e o lado ruim dos produtos processados, de modo a ressaltar, efusivamente, o perigo da química.

C) demonstração do lado bom dos produtos naturais e o lado ruim dos produtos processados, sem, contudo, realizar uma crítica em relação à química.

D) elogio aos produtos naturais, reforçando-se a ideia de consumirmos mais desses produtos em detrimento de produtos processados com o auxílio da química.

Resolução

Alternativa A, pois, no poema, há uma inversão do senso comum de que produtos naturais são bons e produtos processados são ruins, já que se destaca o ponto negativo de produtos naturais (como os cogumelos vermelhos ou o suco de serpente, que seriam tóxicos) e o lado positivo dos produtos processados (como a aspirina e o plástico da válvula cardíaca, benéficos à saúde humana). Ao utilizar essa ironia, o autor do texto objetiva enfatizar a relevância da química.

Questão 2 - (ITA) Assinale a opção em que a frase apresenta figura de linguagem semelhante ao da fala de Helga no primeiro quadrinho.

A) O país está coalhado de pobreza.
B) Pobre homem rico!
C) Tudo, para ele, é nada!

D) O curso destina-se a pessoas com poucos recursos financeiros.
E) Não tenho tudo que amo, mas amo tudo que tenho.

Resolução

Alternativa D, pois tanto em “Remover o excesso de alimentos de nossa residência” quanto em “poucos recursos financeiros” há um eufemismo, ou seja, uma suavização das ideias, já que Helga, no quadrinho, não usou a palavra lixo, bem como, na alternativa d, o público-alvo do curso não é caracterizado como pobre.

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