Barroco

Por Leandro Guimarães

O barroco é um movimento artístico que compreende múltiplas manifestações artísticas — literatura, pintura, arquitetura, música — produzidas entre o final do século XVI e o início do século XVIII. Expressão das contradições que o ser humano vivia no contexto em que essa estética surgiu, época marcada pela Reforma Protestante e pela Contrarreforma, o barroco incorporou o exagero, o paradoxo, a antítese, a religiosidade e traços da cultura clássica em suas produções, tornando-se, por vezes, sinônimo de extravagância. No Brasil, destacam-se, no meio literário, os escritores Gregório de Matos e Padre Antônio Vieira.

Leia também: Arcadismo – movimento literário que surgiu após o barroco

Contexto histórico do barroco

As manifestações barrocas têm como contexto histórico a ocorrência da Reforma e da Contrarreforma, as quais agitaram, sobretudo, a Europa a partir do século XVI. Insatisfeito com os poderes supremos da Igreja Católica, Martinho Lutero, monge agostiniano, em 1517, elaborou suas 95 teses, questionando os dogmas da Igreja Católica e fundamentando uma nova forma de cristianismo, baseada na fé e no conhecimento dos textos bíblicos.

Havia nessas teses questionamentos, por exemplo, acerca do extremo poder do papa na hierarquia eclesiástica, além de argumentos contrários à não representação das imagens de figuras religiosas, como os santos. A esse movimento de contestação, deu-se o nome de Reforma Protestante ou Luterana.

Como contraponto a esse movimento reformista, a cúpula da Igreja Católica iniciou um movimento intitulado Contrarreforma, em que estabelecia mudanças internas a fim de barrar o descontentamento com o catolicismo. Criaram, assim, medidas de expansão de sua doutrina, como a Companhia de Jesus, responsável pela catequização, principalmente, de povos indígenas, além de que lançaram medidas de perseguição, como o Tribunal do Santo Ofício, que instituiu a Inquisição como forma de punição àqueles que se desviassem do catolicismo.

Interior de uma igreja barroca de 1601, situada em Nápoles, na Itália. [1]
Interior de uma igreja barroca de 1601, situada em Nápoles, na Itália. [1]

Nesse contexto de embates religiosos, ao mesmo tempo em que havia o florescimento dos ideais humanistas difundidos pelo renascimento, o barroco surgiu como uma expressão artística símbolo dessa efervescência que ora pendia para o extremismo religioso, ora para o culto à razão e à cultura clássica.

Assim, o barroco, sintetizando as contradições de sua época e as da própria Igreja Católica, manifestou características também contraditórias, como: ao passo em que cultivou a crença na efemeridade da vida e o espírito renascentista expresso pelo carpe diem, também expressou a culpa cristã. Não por acaso, os escritores desse período utilizaram muitas antíteses e paradoxos. Nas artes plásticas, por sua vez, as esculturas refletiam a opulência dos santos e dos altares para enaltecer-se o poderio da Igreja, em contraponto ao protestantismo.

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Características do barroco

A estética barroca apresenta, em relação ao conteúdo, predileção em expressar o conflito entre a visão antropocêntrica, em que todas as coisas estão centradas no próprio homem, e a visão teocêntrica, em que o Deus cristão é o centro do Universo. Essa oposição de ideias manifesta-se também no contraste entre o mundo material e o mundo espiritual, o que resulta em tensões.

Ainda em relação à temática predominante no barroco, observa-se em muitas obras a expressão de uma visão trágica da vida, resultante do conflito entre fé e razão, ou seja, entre os preceitos do cristianismo (os quais tiveram hegemonia principalmente durante a Idade Média) e a racionalidade difundida como a fonte para acessar-se o conhecimento e a sabedoria (ideal extremamente valorizado e divulgado durante o renascimento).

Além da convivência conflituosa entre essas ideias opostas (antitéticas) constituir a principal fonte temática do barroco, esse movimento cultivou o gosto pela morbidez; a idealização amorosa; o sensualismo, apesar de este ser permeado pelo sentimento de culpa cristão; a consciência da efemeridade do tempo; o gosto por raciocínios complexos, intrincados, desenvolvidos em parábolas ou com base em narrativas bíblicas.

Outra importante característica temática do barroco, talvez a mais popularizada, é o cultivo e a valorização do carpe diem, expressão latina que expressa o sentido de que se deve aproveitar o presente ao máximo, uma vez que é característica barroca a compreensão da efemeridade do tempo e da vida.

Quanto aos aspectos formais valorizados pelo movimento barroco, observa-se, como recorrente, a preferência, na poesia, pela forma poética soneto; pelo emprego da medida nova; pelo gosto pelas inversões sintáticas, em que a ordem direta da frase, caracterizada pela estrutura sujeito, verbo e predicado, sofre inversões; e pelas construções complexas e raras.

Para atingir esse fim, emprega-se, constantemente, em suas produções poéticas, variadas figuras de linguagem, como a antítese, o paradoxo, a metáfora, a metonímia, entre outras, o que torna, por vezes, a linguagem barroca a linguagem do exagero, do rebuscamento.

Veja também: Parnasianismo – assim como o barroco, valorizava os aspectos formais clássicos

Barroco da Europa

O barroco europeu tem em Portugal e na Espanha seus principais centros culturais.

  • Principais autores de Portugal

  • Sermões, cartas, prosa religiosa e moralística: Padre Antônio Vieira, Padre Manuel Bernardes, Francisco Manuel de Melo, Maria Alcoforado;

  • Poesia e novela: Francisco Manuel de Melo;

  • Teatro: Antônio José da Silva e Francisco Manuel de Mole.

  • Principais autores da Espanha

  • Poesia, teatro, sermões: Luís de Góngora y Argote, Lope de Vega, Pedro Calderón de La Barca, Tirso de Molina, Baltasar Gracián e Mateo Alemán;

  • Prosa: Francisco de Quevedo y Villegas, Miguel de Cervantes.

Barroco no Brasil

No Brasil, as manifestações artísticas barrocas na arquitetura, na pintura e na música surgem, no século XVIII, na região de Minas Gerais, em razão da exploração do ouro.

Alguns representantes dessa época: na arquitetura e na pintura, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho; na pintura, Manuel da Costa Ataíde, o Mestre Ataíde; na música, José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita. Na literatura, os principais autores barrocos do Brasil são Gregório de Matos e Padre Antônio Vieira. Se quiser saber mais sobre como foi esse movimento literário aqui, leia: Barroco no Brasil.

  • Gregório de Matos

Retrato de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”.
Retrato de Gregório de Matos, o “Boca do Inferno”.

Gregório de Matos Guerra nasceu na então capital do Brasil, Salvador, Bahia, em 20 de dezembro de 1636 e faleceu no Recife, Pernambuco, em 1695. É o patrono da cadeira número 16 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Como poeta, destacou-se como grande sátiro do governo, da nobreza e do clero. De sua crítica não escaparam os padres corruptos, os degredados, os mulatos e emboabas, os “caramurus”, os arrivistas e os novos-ricos, toda uma burguesia exploradora da colônia. Seu forte senso crítico rendeu-lhe o epiteto de “Boca do Inferno”. Gregório de Matos compôs quatro vertentes de poesia: amorosa, filosófica, religiosa e satírica.

  • Poesia amorosa

Caracterizada pelo dualismo carne/espírito, o que resulta em um sentimento de culpa.

Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Ângela

Não vi em minha vida a formosura,
Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, e me movia
A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura
Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se mentia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem (disse então vendo abrasar-me)
Se esta a cousa não é, que encarecer-me.
Saiba o mundo, e tanto exagerar-me.

Olhos meus (disse então por defender-me)
Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

  • Poesia filosófica

Caracterizada pelo sentimento de frustração diante da realidade e pela consciência da transitoriedade da vida e do tempo. O soneto a seguir exemplifica a consciência da efemeridade dessas duas noções.

Inconstância das coisas do mundo!

Nasce o Sol e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas e alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz falta a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza,

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na inconstância.

  • Poesia religiosa

Caracterizada pelas constantes referências a Deus, ao sentimento de arrependimento, ao pecado, ao perdão, ou seja, a elementos bíblicos. Observe o soneto a seguir, ilustrativo dessa vertente:

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido;
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

  • Poesia satírica

Caracterizada pelo humor ácido e pela ironia, destina-se a ridicularizar o governo e a sociedade hipócrita da época. Veja o soneto a seguir, em que o teor crítico satírico faz-se evidente:

Queixa-se o poeta da plebe ignorante e perseguidora das virtudes

Que me quer o Brasil que me persegue?
Que me querem pagastes que me invejam?
Não veem que os entendidos me cortejam,
E que os nobres é gente que me segue?

Com seu ódio a canalha que consegue?
Com sua inveja os néscios que motejam?
Se quando os néscios por meu mal mourejam
Fazem os sábios que a meu mal me entregue.

Isto posto, ignorantes e canalha,
Se ficam por canalha e ignorantes
No sol das bestas a roerem a palha:

E se os Senhores nobres e elegantes
Não querem que o soneto vá de valha,
Não vá, que tem terríveis consoantes.

Acesse também: Diferenças entre poesia, poema e soneto

  • Padre Antônio Vieira

Retrato do padre Antônio Vieira. Portugal, Torre do Tombo.
Retrato do padre Antônio Vieira. Portugal, Torre do Tombo.

Missionário, teólogo, diplomata e orador, Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa, Portugal, em 1608. Com seis anos de idade, veio para a Bahia, onde ingressou pouco tempo depois no Colégio dos Jesuítas. Iniciou sua carreira de pregador em 1633. Posteriormente retornou a Portugal, onde participou ativamente da vida política, colocando-se em defesa dos cristãos-novos e despertando o ódio da Inquisição, o que resultou em sua prisão.

Regressou ao Brasil e estabeleceu-se no Maranhão, dedicando-se à evangelização dos índios, defendendo-os dos colonos. Esse conflito resultou em sua expulsão e de toda a Companhia. Retornou a Portugal, onde foi perseguido e processado pela Inquisição; após o perdão, foi para Roma, onde pregou durante alguns anos. Em 1861, Padre Antônio Vieira retornou ao Brasil, momento em que organizou seus sermões para publicação. Morreu em 1697, no Colégio da Bahia.

  • Obras de Padre Antônio Vieira

Sermões

  • Sermão do bonsucesso das armas de Portugal contra os de Holanda (Bahia, 1640);

  • Sermão da sexagésima (Lisboa, 1655);

  • Sermão de Santo Antonio aos peixes (Maranhão, 1653);

  • Sermão da Primeira Dominga da Quaresma (Maranhão, 1653);

  • Sermão do mandato (Lisboa, 1643);

  • Sermão do rosário (Bahia, 1633).

Obras de profecia

  • Esperanças de Portugal (1659);

  • História do futuro (1718);

  • Clavis prophetarum (obra inédia e só traduzida e publicada em 2000).

  • O sermão da sexagenária

Pregado inicialmente em Lisboa, em 1655, O sermão da sexagenária é um dos mais importantes do gênero e um dos mais importantes de Padre Antônio Vieira. Dividido em 10 capítulos, esse sermão discute a pregação católica e o modo como deveria ser realizada a fim de atingir o seu objetivo evangelizador. Fazendo uso da metáfora, figura de linguagem muito apreciada pelo barroco, o autor relaciona “pregar” a “semear”, expondo os motivos pelos quais a palavra de Deus não estava colhendo muitos frutos.

No início do sermão, ainda no primeiro capítulo, é utilizada como exemplo a “Parábola do semeador”, retirada do “Livro de Lucas”, capítulo 8, que conta que, apesar das adversidades, o semeador colheu seu fruto. Ao longo do sermão, são apresentados diversos motivos que justificam os maus resultados dos pregadores, como se percebe no trecho a seguir:

“Nunca na Igreja de Deus houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? [...] Assim como Deus não é hoje menos omnipotente, assim a sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, porque não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão importante dúvida, será a matéria do sermão. […]

O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. Para falar ao vento bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras. [...] A razão disto é porque as palavras ouvem-se, as obras vêem-se; as palavras entram pelos ouvidos, as obras entram pelos olhos, e a nossa alma rende-se muito mais pelos olhos que pelos ouvidos.”

Leia também: Literatura portuguesa: uma breve história das suas origens aos dias atuais

Resumo

Principais aspectos temáticos:

  • conflito entre o antropocentrismo e o teocentrismo;

  • oposição entre o mundo material e o mundo espiritual;

  • visão trágica da vida;

  • conflito entre fé e razão;

  • cristianismo;

  • morbidez;

  • idealização amorosa;

  • sensualismo e sentimento de culpa cristão;

  • consciência da efemeridade do tempo;

  • apreço por raciocínios complexos, construídos em parábolas e narrativas bíblicas;

  • carpe diem.

Principais aspectos formais:

  • predomínio do soneto;

  • emprego da medida nova na poesia;

  • recorrência de inversões e de construções sintáticas complexas;

  • frequente uso de figuras de linguagem, como a antítese, o paradoxo, a metáfora e a metonímia.

Crédito da imagem

[1] Isogood_patrick / Shutterstock   

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