Movimento antropofágico
O movimento antropofágico foi uma corrente artística e literária que fez parte do modernismo brasileiro. Valorizou a diversidade cultural e foi inspirado pela obra Abaporu.
Por Warley Souza

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Movimento antropofágico é como ficou conhecida a corrente literária modernista, de cunho nacionalista, que valorizou e ressignificou o empréstimo cultural. Nessa perspectiva, o povo brasileiro é, implícita e metaforicamente, associado à antropofagia; mas, em vez de comer carne humana, ele “comeria” culturas alheias.
Nessa perspectiva, o povo teria a capacidade de assimilar outras culturas, mas com a peculiaridade de as transformar em algo originalmente brasileiro. Dessa forma, o movimento criado pelo escritor Oswald de Andrade fez uma ponte entre a ancestral antropofagia indígena e a diversidade cultural do século XX.
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Resumo sobre movimento antropofágico
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O movimento antropofágico é uma corrente artística e literária surgida em 1928.
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Parte do modernismo brasileiro, o movimento, oficialmente, durou pouco mais de um ano.
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Ele apresentou aspecto nacionalista, valorizou a diversidade cultural e a capacidade do povo brasileiro de ressignificar o empréstimo cultural.
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A obra fundadora do movimento é a pintura Abaporu, de Tarsila do Amaral.
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O movimento foi consolidado por publicações na Revista de Antropofagia e com a publicação do Manifesto Antropófago.
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O manifesto apresenta caráter irônico e valoriza a capacidade da cultura brasileira de assimilar, de forma original, outras culturas.
O que foi o movimento antropofágico?
O movimento antropofágico foi uma corrente artística e, principalmente, literária ligada à primeira fase do modernismo brasileiro. Encabeçaram esse movimento a pintora Tarsila do Amaral, além dos escritores Oswald de Andrade e Raul Bopp. Além disso, ele teve como obra fundadora a pintura Abaporu, de Tarsila do Amaral.
A divulgação desse movimento foi feita pela Revista de Antropofagia, publicada durante 10 meses. Com o fim da revista, o movimento ainda sobreviveu por mais cinco meses, com publicações no Diário de São Paulo. Assim, teve início em 1928 e, oficialmente, terminou em agosto de 1929.
A base dessa corrente literária e artística foi nacionalista, pois valorizou as origens do povo brasileiro, sua cultura e a sua identidade. Assim, o indígena se tornou símbolo de nacionalidade, mas com base em seu aspecto selvagem e antropófago. Desse modo, a antropofagia se converteu em um símbolo da cultura e da arte brasileiras.
Portanto, o caráter antropófago de nossa cultura consiste em receber influências estrangeiras, “digerir” tais influências e, por meio dessa antropofagia cultural, produzir algo brasileiro e único, já que o empréstimo cultural é transformado em algo nosso, com nossa cara, ou melhor, com nossa identidade.
Características do movimento antropofágico
O movimento antropofágico teve aspecto nacionalista, já que buscou valorizar nossa origem ancestral. Por um olhar irônico, o movimento repensou a identidade nacional, de forma a enaltecer a diversidade cultural do povo brasileiro e as várias influências culturais estrangeiras, apesar de demonstrar certo antilusitanismo.
Como parte do modernismo brasileiro, foi um movimento antiacadêmico e inovador. Procurou valorizar o folclore, a cultura popular, a vida cotidiana, a língua portuguesa falada no Brasil e o coloquialismo. Colocou em evidência a oposição entre o nacional e o estrangeiro.
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Manifesto Antropófago

O Manifesto Antropofágico ou Antropófago foi publicado em 1º de maio de 1928, no primeiro número da Revista de Antropofagia. É um manifesto que não busca ser claro em seus princípios, pois apresenta uma linguagem mais literária do que não literária. De forma fragmentada, seu autor, Oswald de Andrade, recorre a referências históricas e culturais para explicitar os ideais antropofágicos.
O documento (ou obra literária) destaca a importância da cultura brasileira, não condena o empréstimo cultural (pois este seria ressignificado pelo “antropófago brasileiro”) e evidencia a diversidade. Apresenta tom irônico e antilusitano. Para Oswald: “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”.
Dessa forma, destaca a antropofagia como característica nacional, de forma a fazer uma ponte entre a antropofagia indígena e a antropofagia cultural. Diz o escritor sobre o povo brasileiro e sua capacidade de assimilar culturas estrangeiras: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”.
E ressignifica a dominação cultural: “Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará” e “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses”.
O antilusitanismo aparece mesclado ao aspecto antropofágico, marcado pela assimilação cultural: “Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia”.
Também apresenta caráter antilusitano, trechos como: “Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: — É a mentira muitas vezes repetida” e “Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”.
Além disso, sugere que a Independência do Brasil deve ser culturalmente conquistada: “A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: — Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte”.
Objetivos do movimento antropofágico
O movimento antropofágico visou ressignificar a identidade nacional por meio da capacidade única que o povo brasileiro tem de assimilar outras culturas. Em vez de criticar os empréstimos culturais, os integrantes do movimento aceitaram que eles fazem parte da cultura brasileira.

Desse modo, o movimento objetivou mostrar que nossa identidade é antropofágica. Afinal, metaforicamente falando, “devoramos” a cultura estrangeira, mas a ressignificamos de forma a criar algo nosso. Ao evidenciar a diversidade cultural brasileira e seu caráter antropofágico, o movimento legitimou a cultura brasileira.
Além disso, pretendeu provocar discussões e reflexões acerca da identidade nacional. Para isso, colocou em evidência a história do país, nossas tradições e o caráter subversivo de nossa cultura, subversão (qualquer que seja) tão cara à estética modernista da qual o movimento fez parte.
Obras do movimento antropofágico
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Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral.
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Manifesto Antropófago (1928), de Oswald de Andrade.
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Macunaíma (1928), de Mário de Andrade.
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Laranja da China (1928), de Antônio de Alcântara Machado.
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Libertinagem (1930), de Manuel Bandeira.
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Cobra Norato (1931), de Raul Bopp.
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Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade.
Abaporu e o movimento antropofágico

Abaporu é a obra fundadora do movimento antropofágico. Isso porque foi essa pintura que levou o escritor Oswald de Andrade a criar o movimento, consolidado com a Revista de Antropofagia. Tudo começou quando Tarsila do Amaral, então esposa de Oswald, pintou a tela para dar de presente ao marido, em janeiro de 1928.
Ao ver a obra, Oswald de Andrade interpretou a figura pintada por Tarsila como sendo um antropófago brasileiro. A partir daí, decidiram dar à obra o título de Abaporu, que, em tupi-guarani, significa homem (aba) que come (poru). Cerca de três meses depois, o escritor escreveu o Manifesto Antropófago.
Contexto histórico do movimento antropofágico
O movimento surgiu no final da República Velha, período histórico marcado pelo conservadorismo paulista e mineiro, que influenciou a política nacional entre 1889 e 1930. Portanto, o movimento trazia um espírito libertário e contestador, em oposição ao tradicionalismo imperante. Surgiu também em uma época de mudança política, já que, em 1930, teria início a conturbada Era Vargas.
Saiba mais: Semana de Arte Moderna de 1922 — a primeira expressão do modernismo no Brasil
Exercícios sobre movimento antropofágico
Questão 1 (Enem)
O trovador
Sentimentos em mim do asperamente
dos homens das primeiras eras...
As primaveras do sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlorom...
Sou um tupi tangendo um alaúde!
ANDRADE, M. In: MANFIO, D. Z. (org.) Poesias completas de Mário de Andrade. Belo Horizonte: Itatiaia, 2005.
Cara ao Modernismo, a questão da identidade nacional é recorrente na prosa e na poesia de Mário de Andrade. Em O trovador, esse aspecto é
A) abordado subliminarmente, por meio de expressões como “coração arlequinal” que, evocando o carnaval, remete à brasilidade.
B) verificado já no título, que remete aos repentistas nordestinos, estudados por Mário de Andrade em suas viagens e pesquisas folclóricas.
C) lamentado pelo eu lírico, tanto no uso de expressões como “Sentimentos em mim do asperamente” (v. 1), “frio” (v. 6), “alma doente” (v. 7), como pelo som triste do alaúde “Dlorom” (v. 9).
D) problematizado na oposição tupi (selvagem) x alaúde (civilizado), apontando a síntese nacional que seria proposta no Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade.
E) exaltado pelo eu lírico, que evoca os “sentimentos dos homens das primeiras eras” para mostrar o orgulho brasileiro por suas raízes indígenas.
Resolução: Alternativa D.
O verso “Sou um tupi tangendo um alaúde!” reflete a ideia central do movimento antropofágico, ou seja, o “alaúde” é um elemento cultural estrangeiro, apropriado por um indígena brasileiro. Isso caracteriza a antropofagia cultural proposta no manifesto, já que o brasileiro (representado pelo tupi) aceita ou se apropria de um elemento da cultura estrangeira (o alaúde), sendo essa oposição uma síntese da nacionalidade brasileira.
Questão 2
Analise as seguintes afirmações:
I- O movimento antropofágico foi criado pelos indígenas brasileiros logo após a chegada do portugueses, em 1500.
II- O movimento antropofágico foi um movimento artístico e literário baseado na valorização da diversidade cultural brasileira.
III- Os princípios do movimento antropofágico foram explicitados no Manifesto da Poesia Pau-brasil, publicado em 1924.
Está correto o que se afirma em:
A) I apenas.
B) II apenas.
C) III apenas.
D) I e II apenas.
E) II e III apenas.
Resolução: Alternativa B.
O movimento antropofágico, de cunho artístico-literário, teve seus princípios registrados no Manifesto Antropófago, publicado em 1928. Tal manifesto valoriza a diversidade cultural brasileira.
Créditos das imagens
[1] e [3] Wikimedia Commons
[2] Acervo Arquivo Nacional/ Wikimedia Commons
Fontes
ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.
ANDRADE, Oswald de. Manifesto antropófago. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano 1, n. 1, maio 1928.
ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3. ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.
ASSUNÇÃO, Isac Teixeira de. Historiografia linguística do movimento antropofágico: por uma literatura popular para a firmação da língua e da identidade brasileiras. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.
AZEVEDO, Ana Beatriz Sampaio Soares. Antropofagia: palimpsesto selvagem. 2012. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
LUCERO, María Elena. Relatos de la modernidad brasileña. Tarsila do Amaral y la apertura antropofágica como descolonización estética. Historia y Memoria, Tunja, n. 10, p. 75-96, 2015.
VEIGA, Edison. Abaporu: a história do quadro mais valioso da arte brasileira. BBC News, Brasil, 03 abr. 2019.